A direita nacional apareceu em força na Europa à custa dos votos do centro, mas também da esquerda e da direita sistémicas. Como reação, depois de acionado o alarme e da tentativa de colar esta nova direita a fascismos e autoritarismos, os lesados procuraram outras formas de defesa e combate ao “intruso”.

Para o combater, vários caminhos têm sido tentados: em Espanha, quando o Vox se tornou o terceiro partido do sistema, o Partido Popular fez uma aliança eleitoral com a “extrema-direita”. Mas apesar da aliança, Feijóo passou a campanha eleitoral a menorizar o Vox, o que ajudou o PSOE ganhar e a formar uma geringonça com os independentistas. Geringonça muito precária, ambígua e enganadora, de parte a parte, mas que lá está.

Já em Portugal, parece que o Centro – até a metade direita do Centrão que nos governa há quase meio século – aposta em traçar “linhas vermelhas” ao partido de André Ventura.

Outra forma de combater o intruso é o Centro, ou Centro-Direita, puxar à direita para tentar recuperar os votantes do partido desafiador, imitando-lhe as políticas.

É o que acontece em França, onde a direita identitária e nacional de Marine le Pen vem ganhando espaço eleitoral, face à esquerda, ao centro e à “direita republicana”, contando até com antigos votantes comunistas, marginalizados pela desindustrialização e pela imigração.

A estratégia de Macron

A mais recente jogada de uma “viragem à direita” para parar o crescimento da direita nacionalista ou da “extrema-direita” em França foi a nova lei da imigração.

A lei de Macron, numa primeira apresentação ao Parlamento francês, a 11 de dezembro, tinha sido chumbada pela esquerda NUPES (Nouvelle Union Populaire Ecologique et Sociale), pelos Républicains e pelo Rassemblement de le Pen, mas Macron queria-a aprovada antes do Natal e incumbiu a primeira-ministra Elisabeth Borne de a “endurecer” com mais controlos legislativos à imigração. E a lei acabou por passar com o apoio dos deputados do Rassemblement National – e com le Pen a cantar “vitória ideológica”.

A Macronia fraturou-se na votação da lei, com 27 votos contra e 32 abstenções na bancada presidencial, mas Macron defendeu a nova lei da imigração, que aguarda o veredito do Conselho Constitucional, como medida contra “o que alimenta o Rassemblement National”.

A lei aumenta o prazo de residência necessário para que os estudantes não-comunitários possam candidatar-se a ajudas sociais, introduz “quotas migratórias” e abre a possibilidade de retirada de nacionalidade, por infração, a imigrantes binacionais. Torna também mais difícil a obtenção da nacionalidade francesa pelos nascidos em França de pais estrangeiros e impossibilita a concessão de nacionalidade a condenados.

As medidas restritivas tiveram à esquerda a receção negativa dos deputados da coligação NUPES.

A segunda medida de Macron para combater o Rassemblement foi a remodelação ministerial. O alarme soou com as sondagens para as eleições europeias, que deram 31% ao número dois de Marine Le Pen, o deputado europeu Jordan Bardella, de 28 anos, e 6% à Reconquête, de Éric Zemmour, ficando-se a coligação presidencial pelos 21%. Assim, os três partidos considerados de “extrema-direita”, o Rassemblement, a Reconquête e o Debout la France, andariam pelos 40%, contra os 10% esperados pelos Républicains, os 20% da Macronia e os 30% da restante esquerda – socialistas, ecologistas, comunistas e outros.

Macron procedeu então a uma remodelação à direita, não só mal recebida à esquerda, mas também pouco convincente para aqueles que procura captar (basta ler o diário Libération ou o semanário L’OBS). O presidente francês começou por substituir a sua primeira-ministra, Élisabeth Borne, uma tecnocrata de perfil progressista, pelo ministro da Educação, Gabriel Attal, um jovem de 34 anos, homossexual assumido, que em 2017 se juntou à Macronia vindo do Partido Socialista.

Todos descontentes

Convém recordar que Macron surgiu em 2017 para parar Le Pen, vencendo-a à segunda volta, proeza que repetiria em 2022. Mas, entre as duas eleições, o eleitorado da candidata nacionalista crescera substancialmente. Em 2022, Macron vence Marine com 58,5% dos votos contra 41,5%, enquanto, em 2017, os resultados tinham sido de 66,1% para Macron e 33,9% para Le Pen. Nas duas finais, a abstenção e os votos nulos e brancos corresponderam a mais de um terço dos eleitores.

A Macronia é uma solução de combate ao “intruso”, um recurso para impedir de chegar ao poder o “horror máximo”; porém, os resultados parecem não estar a ser os melhores, mesmo com estas “medidas contra aquilo que alimenta a direita radical”. Nas sondagens do Politico para as legislativas, o Rassemblement continua à frente; e, nas presidenciais de 2027, a expectativa é que Marine Le Pen ultrapasse os 30% na primeira volta e vença, na segunda, por 55%-45%.

Até agora, a Macronia tinha tentado equilibrar as suas forças entre o centro-esquerda, o centro-centro e o centro-direita. Tinha já cooptado dirigentes dos Républicains para reforçar o centro-direita, como Bruno Le Maire, ministro das Finanças e Economia, Gérard Darmanin, ministro do Interior, e Sébastien Lecornu, ministro das Forças Armadas. O último reforço desta “direitização” foi Rachida Dati, antiga ministra da Justiça de Sarkozy, agora nomeada ministra da Cultura. Outro reforço desta linha política é Catherine Vautrin, escolhida para ministra da Saúde.

Mas nem Joël Deumier, vice-presidente do SOS Homophobie, se terá deixado comover pelo novo primeiro-ministro de Macron e pelo seu gesto inaugural de nomear ministro dos Negócios Estrangeiros Stéphane Séjourné, o seu companheiro oficial até há dois anos. Em suma, todos, na esquerda, reagiram mal à “direitização” de Macron. E não é muito provável que os eleitores do Rassemblement, o público-alvo da estratégia, se deixem seduzir por estas “viragens”.

Professor e historiador
Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 20 de janeiro