O excesso de mortalidade de pessoas acima dos 45 anos, num inverno com infeções respiratórias mais graves, levou a Direção-Geral da Saúde (DGS) a decidir alargar a vacinação contra a gripe para pessoas acima dos 50 anos. A medida é “avisada” e “oportuna”, diz ao NOVO Francisco George, antigo diretor-geral da Saúde e presidente da Sociedade Portuguesa de Saúde Pública.

Constantino Sakellarides, que também dirigiu a DGS, comenta que, não sendo possível prever como vai ser cada inverno, é preciso estar preparado para os três cenários possíveis em termos de infeções respiratórias sazonais, que vão do menos grave ao mais grave, e responder de acordo com o plano de contingência traçado. “O que nós temos dificuldade em fazer é sermos mais rápidos a perceber em que cenário estamos. É uma questão da nossa organização e gestão”, critica Sakellarides.

Este ano, explica o antigo responsável pela autoridade de saúde, além de um inverno mais rigoroso e de estirpes mais virulentas, a população está mais vulnerável, já que nos anteriores, devido à pandemia de covid-19, que obrigou ao uso de máscara, não esteve tão exposta a outros vírus respiratórios.

A somar a isso, e a limitar a resposta ao cenário gripal que vivemos, estão as dificuldades do Serviço Nacional de Saúde (SNS). “Temos menos profissionais, houve greves em vários sectores. Esta situação epidemiológica mais grave, infelizmente, correspondeu a um período em que o SNS está mais vulnerável”, constata o também professor catedrático da Escola Nacional de Saúde Pública.

Constelação de problemas

Quanto ao excesso de mortalidade devido à gripe, Sakellarides defende que é preciso esperar cerca de dois meses para termos um “retrato” da situação. E acrescenta ser também necessário analisar se os óbitos nas faixas etárias acima dos 45 anos não são de pessoas com fatores de risco associados (diabetes, obesidade, doença renal, entre outras patologias) que as deixam tão suscetíveis como uma pessoa de 80 anos. “Essa análise não está ainda feita porque estamos em cima do acontecimento”, frisa.

O mesmo defende Francisco George, reconhecendo que o aumento de doença grave e de óbitos em pessoas com mais de 45 anos (realidade que se vai manter mais uma semana, segundo adiantou ao Público a atual diretora-geral da Saúde) não era previsível quando foi definida a estratégia de vacinação sazonal para este inverno. “Portanto, as medidas agora tomadas têm razão de ser”, reforça o especialista.
Para o presidente da Sociedade Portuguesa de Saúde Pública, a questão de fundo é a importação de vacinas, que são diferentes todos os anos. “Não se podem armazenar de um ano para o outro porque os vírus têm mutações e todos os anos as vacinas são diferentes em função das alterações do agente, neste caso dos vírus da gripe.”

Por isso, e havendo limites na importação, as vacinas são, em primeiro lugar, aplicadas aos “mais necessitados”. Na primeira fase, a DGS recomendou a vacinação da população nas farmácias a partir dos 60 anos e nos centros de saúde a grupos considerados de risco. “O grupo dos +45 não tinha sido identificado como mais evidente, como mais urgente”, assinala Francisco George.
Em todo o caso, sobre o excesso de mortalidade em geral no país nesta altura, o presidente da Sociedade Portuguesa de Saúde Pública explica que a curva dos óbitos ao longo das semanas do ano não é retilínea, não é uniforme, “é uma expressão sinusoidal”. E que, em termos históricos, sempre aconteceu e assim vai continuar a acontecer: “Durante as semanas frias do ano, nomeadamente em dezembro, janeiro e fevereiro, a mortalidade é maior do que nas semanas quentes.”

A esse fenómeno, acrescenta o especialista, não são alheios outros problemas que vão para lá das infeções respiratórias em si, tais como “as condições dos portugueses para fazerem face ao frio – a pobreza, as questões da habitação e do seu aquecimento, a alimentação, tudo”.
Em síntese, resume Francisco George, “temos aqui um conjunto de problemas difíceis de resolver de um momento para o outro, mas que não podem ser ignorados. Nas urgências há uma situação de crise. Há uma constelação de fatores que explicam este fenómeno”.