Foi o “fracasso total do Ministério da Saúde em assegurar condições de resposta adequadas às grávidas” que levou a Ordem dos Médicos a querer fazer um raio-X a todas as maternidades do país, através da criação de uma comissão de peritos que já está no terreno, explica ao NOVO o bastonário, Carlos Cortes.

O trabalho da equipa de nove peritos, constituída por especialistas de ginecologia/obstetrícia, neonatologia e anestesia será feito por etapas: depois da preparação feita por cada uma das especialidades, que contou com a ajuda de um professor da área de estatística da Universidade do Porto, os peritos vão enviar inquéritos a cada um dos quase 50 locais de nascimento do país, do setor público e privado, com o intuito de recolher informação. A tarefa começa já a ser feita nos primeiros dias do ano. Concluída essa fase, a equipa visitará todas as maternidades.

“É um trabalho exaustivo, tanto pela dimensão como pela profundidade do trabalho que queremos fazer: a avaliação das condições da infraestrutura, das condições técnicas e de recursos humanos”, afirma o bastonário da Ordem dos Médicos, acrescentando que o desígnio da comissão é “dar um contributo numa matéria que é uma das bandeiras de fracasso deste Ministério da Saúde”.

Carlos Cortes antecipa que em todas as áreas “podemos ter agravamentos” até ao final do ano e dá o exemplo do Hospital de Leiria, que visitou na quarta-feira, cuja maternidade está encerrada quinta, sexta, sábado e domingo. “Não se pode nascer nesses dias nessa área, tendo em conta depois as enormes dificuldades em toda a região, de Coimbra até Lisboa. Leiria é uma área de referenciação muito grande, cobre 40o mil habitantes e são muitos dias em que esta especialidade não está a responder”.

A situação, diz, “é idêntica” em muitos outros hospitais que o bastonário tem visitado nas últimas semanas, estando a região de Lisboa e Vale do Tejo a viver as maiores dificuldades, com os encerramentos da maternidade do São Francisco Xavier/Santa Maria, em Lisboa. “O próprio diretor de serviço da ginecologia/obstetrícia tem solicitado por várias vezes o apoio da Ordem dos Médicos – está verdadeiramente desesperado porque não tem resposta do Hospital de Santa Maria”.

Carlos Cortes recorda que há um “compromisso” entre os dois hospitais, em que as grávidas do Santa Maria seriam enviadas para o São Francisco Xavier e, “neste momento, segundo o que nos está a ser reportado, está a existir imensas falhas de tal forma o próprio colégio da especialidade de ginecologia/obstetrícia está muito preocupado e, juntamente com seção do Sul, está a tentar ter uma intervenção no sentido de pressionar os responsáveis, nomeadamente a direção executiva do SNS, que validou esta solução, e o Ministério da Saúde, para rapidamente ajudar a repor a normalidade desta resposta que é absolutamente fundamental na área de Lisboa, juntamente com a Maternidade Alfredo da Costa”.

Dependendo o trabalho da recém criada comissão de peritos, em parte, da colaboração dos hospitais avaliados, a equipa, coordenada pelo médico Caldas Afonso, não se compromete com uma data para a apresentação das conclusões, mas a expectativa é que isso possa acontecer ainda no primeiro semestre de 2024, altura em que também se espera que esteja escolhido o novo governo saído das eleições de 10 de março.

Ao NOVO, o coordenador da recém-criada comissão lembra que os constrangimentos na área da obstetrícia começaram há pelo menos dois anos e devem-se sobretudo à falta de recursos humanos, mas nunca a obstetrícia esteve tão mal como está agora. “Estamos, neste momento, numa situação muito preocupante, que a curto-médio prazo tende a agravar-se em termos de profissionais disponíveis”, diz o responsável, lembrando que formar um obstetra demora seis anos, pelo que o aumento das vagas nas faculdades este ano só poderá ter reflexo passado esse período.

Um dos objetivos do grupo de trabalho é precisamente fazer o levantamento das necessidades que o país tem em termos de recursos humanos para os próximos 20 anos, de modo que “situações de rutura” como a que estamos a viver, com encerramentos de blocos de partos (sobretudo em Lisboa e Vale do Tejo) “possam ser minimizadas ou não aconteçam”.

O também diretor do Centro Materno-Infantil do Norte vê com preocupação a “instabilidade” dos serviços de obstetrícia, cujos fechos no sector público são imprevisíveis. “Há uma instabilidade muito grande que vai obrigar a que todos tenham de colaborar, de acordo com aquilo que temos: uma manta curta de recursos humanos, otimizando o sector público, o privado e o social, no sentido de que não seja posta em causa a segurança de uma mulher grávida para ter o seu filho.” Para Caldas Afonso, este é o “grande desafio” que o decisor político, seja ele qual for, terá em mãos.

O responsável reconhece que as “ameaças são muito grandes”, mas lembra que, “felizmente”, o país continua a ter indicadores da área materno-infantil que colocam Portugal “como um case study mundial”. “Temos das mais baixas taxas de mortalidade neonatal infantil e da mulher grávida. Foi uma conquista brutal que aconteceu de forma gradual a partir da criação do SNS e queremos preservar esse património”, realça.

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