A contestação que Israel enfrenta internacionalmente pela desproporcionalidade da resposta ao ataque terrorista do Hamas tem vindo a acentuar a divisão política nos países ocidentais e a atingir níveis elevados de pró-violência materializados em atos de antissemitismo um pouco por todo o mundo.

Na verdade, é muito fácil condenar as ações de Israel, quer pelas imagens, quer pelos relatos que nos chegam. Concordo que ficar em silêncio não é uma opção, mas os atos de barbárie perpetrados pelo Hamas parecem ofuscar a opinião pública. O Hamas não se limita a glorificar o assassinato de israelitas. A sua visão islamofascista inclui a instrumentalização da população palestiniana para fins de propaganda. Objetivo? Deslegitimar qualquer ato israelita contra eles. E depois há as questões humanitárias.

Os especialistas em Direito Internacional Humanitário (DIH) classificam de crime de guerra o não cumprir a regra de proteção da população civil, mas parecem esquecer que os métodos de combate utilizados pelo Hamas também são sancionados pelas normas vigentes do DIH quando posiciona sistemas de armas em áreas civis densamente povoadas, escolas, hospitais e mesquitas. Até ao momento, também não ouvi ninguém a pronunciar-se que fazer reféns não combatentes é crime de guerra. O Hamas não é só destrutivo é também um dos principais obstáculos no rumo à paz e à criação de um Estado palestiniano. E o extremismo do Hamas espelha o que é hoje a maior ameaça que as democracias enfrentam. É demagogo e tem seduzido um forte e crescente apoio da opinião pública não só no mundo árabe, mas também nos países ocidentais e nos do sul global. Mas tal distopia requer que pensemos onde fica a população de Gaza no meio disto tudo.

A tese simplista que a população de Gaza é responsável pelo crescimento do Hamas assenta em dois argumentos centrais, ambos válidos. O primeiro é que votou no Hamas, permitindo que o grupo tomasse o poder pela força no ano seguinte às eleições. O segundo é que, se não quisessem ser governados por um regime totalitário, podiam expulsá-lo por via da contestação política e social. Dirão: uma vez que não o fizeram nos últimos 17 anos, isso implica pelo menos uma complacência, se não mesmo o apoio às atividades do Hamas. É verdade. E eu digo que a população de Gaza está confrontada com dois constrangimentos. Em primeiro lugar, se se revoltarem contra os governantes por desrespeitarem as suas promessas e os interesses poderia trazer graves consequências para a sua existência. E sem segundo lugar porque, simplesmente, há circunstâncias fora do controlo da população palestiniana, como é o caso de ter o Hamas como a única organização que paga salários de forma fiável através do controlo que detém sobre os fluxos de ajuda externa ou o caso de ter Israel a fornecer água potável e energia elétrica.

Nestas condições, o apoio ao Hamas é sempre bem-sucedido. Mas como sempre acontece há outra versão da história. Este conflito não é apenas sobre o Hamas. É o resultado cada vez mais evidente de uma agenda política de partidos da extrema-direita israelita.

Juntemos a este quadro Netanyahu, que é perito em virar vítima contra vítima, e reescrever a História. Como populista que é, tem vindo a aperfeiçoar a arte de converter ressentimentos sociais em poder político e paulatinamente corroer os direitos dos seus cidadãos e exercer uma opressão na população palestiniana que torna quase impossível a vida na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Nenhum povo deve ser coletivamente castigado pelas ações de uma organização terrorista e do governo mais extremista de direita na história de Israel. Esta poderosa combinação já está a produzir resultados violentos não só em Gaza. Os israelitas têm poder para mudar isso, se quiserem, o povo de Gaza não.