O megaprojeto do Hyperscale Datacenter da Start Campus 4.0 (HDC Sines) foi um dos protagonistas da crise política das últimas semanas. A enorme exposição dada aos episódios políticos ligados ao empreendimento contrastou com o desdém prestado pela sua natureza enquanto projeto de investimento – o modelo de negócio, as condições de sucesso, a viabilidade técnica ou os riscos associados. Embora encobertos pela espessa cortina de fumo dos escândalos políticos, os fundamentos do projeto são demasiado importantes para serem ignorados e merecem por isso ser vistos como deve ser.

O HDC Sines não é um DC proprietário, como o da Altice na Covilhã (aliás ainda hoje o maior da Europa com 75,500 m2) mas um centro de colocalização para receber empresas que instalam todo o seu equipamento complementando a capacidade dos seus DC proprietários. Funciona assim a arrendar frações a terceiros como se fosse um edifício de escritórios. Como refere o especialista Bela Waldauser: “We have the big building. We are supplying power, cooling and security. That’s it. Our customers are bringing in their own I.T. and telco equipment.”

É com este modelo que o HDC Sines se apresenta com grande pompa em 2020 – um investimento total de 3.500 milhões de euros, 1.200 postos de trabalho e 450 MW em mercado, posicionando-se como o maior do mundo graças às condições técnicas e naturais de Sines. E os promotores assumem todo o risco, limitando-se o Estado a conferir o estatuto PIN e a apoiar nas condições técnicas e administrativas necessárias.

Segundo os promotores, até há poucos dias o projeto estava a avançar como previsto, com “o edifício piloto NEST de 15 MW concluído e recebidos os primeiros clientes”, quando eclode a crise política. O CEO foi detido e demitiu-se, afastaram-se executivos da empresa e várias personalidades ligadas ao projeto ficaram sob alçada da justiça. Acresce agora que os dois promotores enfrentam sérias dificuldades no acesso a financiamento bancário face ao que se passa em Portugal. Parece que de repente o grande HDC de Sines perdeu o lustro e vê o seu futuro fortemente questionado.

Mas o que aqui interessa é perceber o que referi no início: se o HDC Sines é um projeto sólido, bem concebido, sério e capaz de cumprir o que prometeu. A informação do programa é escassa mas há cinco factos inquestionáveis que permitem inferir uma resposta.

1. A escala do HDC Sines não tem comparação com nada existente planeado em nenhum lugar do mundo – o que o torna sem dúvida um projeto de risco elevado. Para a GMI, o mercado deve atingir 40.355 M€ em 2027, o que significa que o HDC Sines terá uma quota mundial na casa dos 5% a 10% em capacidade plena: um desafio brutal. Acresce que o DCK refere que não existe nenhum HDC planeado ou em construção com mais de 100 MW – quase cinco vezes menos do que os 480 MW da HDC Sines.

2. Por mais que se venda o pioneirismo tecnológico, o HDC Sines não produz nada, é essencialmente um projeto imobiliário de capital intensivo. Decorre daqui a comoditização do projeto, o seu baixo interesse industrial e uma elevada exposição às flutuações do mercado de capitais, um fator de risco adicional.

3. Os atributos distintivos do HDC Sines podem não chegar para “esmagar a concorrência na atração de clientes” como diziam os promotores. A proximidade entre uma empresa e os seus DC continua a ser um fator chave, na opinião dos especialistas, prejudicando centros isolados como o HDC Sines. Espaços urbanos de proximidade estão longe de estar esgotados – Londres tem o dobro da capacidade do HDC Sines e continua a abrir novos DC a um ritmo brutal. O HDC Sines pode ter espaço e renda baixa, mas a competição vai ser agressiva – desde a opção de DC próprios que muitos clientes preferem às crescentes centenas de opções de HDC nos EUA e na Europa.

4. Ao contrário do anunciado, é falso que o HDC tenha fechado um SLA com qualquer cliente final. Os promotores referiram em público ter fechado negócio com três empresas, mas não são clientes, são parceiros – a EXA Infrastructure é um operador de infraestruturas de comunicações, a DE-CIX é um fornecedor de serviços de interconexão e a COLT um fornecedor de soluções de infraestrutura digital para redes e voz. Ótimos parceiros, mas a Start Campus 4.0 ainda não conseguiu contratar um único cliente. E mente sobre isso.

5. A equipa de DC Sines não oferece experiência comprovada em angariação e gestão de clientes em grandes HDC. Uma equipa de jovens brilhantes mas sem experiência comprovada na atração de clientes e contratação dos SLA ou gestão dos desafios e custos técnicos da frequência ou rapidez da sua rotação. É o obstáculo mais crítico do projeto e a falta de maturidade e experiência da equipa não lhe dá a resposta necessária.

No lançamento do HDC Sines Eurico Brilhante Dias, então secretário de Estado da Internacionalização, referiu ser “o maior investimento estrangeiro captado pelo país desde a Autoeuropa”. Portugal captará sem dúvida grandes investimentos de viabilidade inquestionável como foi a Autoeuropa, promovida por duas potências mundiais do sector automóvel para produção de bens transacionáveis. O HDC Sines está, como vimos, longe de se poder comparar ou oferecer garantias satisfatórias – e as polémicas manobras políticas só agravam as dúvidas sobre a viabilidade do investimento.

Empresário, gestor e consultor

Artigo publicado na edição do NOVO de 18 de novembro