O acordo de incidência parlamentar firmado entre o PSD e o PAN na Madeira, que funcionou como saída de emergência para Miguel Albuquerque, além de ter causado surpresa a muitos tornou-se um mistério que se foi adensando nas últimas semanas. É que o documento (a que o NOVO teve agora acesso) não foi divulgado publicamente por qualquer dos partidos, nem tão-pouco os comissários do PAN o viram na hora de o discutir e aprovar.
Ao que o NOVO apurou, na reunião da Comissão Política Nacional (CPN), que se realizou um dia depois de a deputada eleita Mónica Freitas ter anunciado o compromisso com o PSD em conferência de imprensa, os comissários apenas escutaram a leitura do acordo e discutiram e votaram com base nisso, não lhes tendo sido distribuída uma cópia do documento de seis páginas.
Apesar da resistência dos dois partidos, o misterioso acordo acabou por ser exposto no Jornal da Madeira e foi também revelado ao NOVO. Mas o que esconde o documento que permitiu a Miguel Albuquerque apresentar uma “solução parlamentar estável” depois de a coligação PSD/CDS ter perdido a maioria absoluta?
Parte dos termos do acordo já era conhecida e o documento confirma-os. O PAN inclui no entendimento com os social-democratas 11 prioridades para serem executadas ao longo dos próximos quatro anos, mas sem fixar prazos para cada uma delas. Entre as medidas está a implementação da taxa turística em toda a região, a vacinação gratuita para os animais, a atualização dos apoios às rendas de casa, a criação de casas de autonomização para vítimas de violência doméstica e a criação de um banco de leite materno (ver acordo na íntegra aqui).
Quanto à validação dos orçamentos, Mónica Freitas garantiu, na conferência de imprensa do dia 26 de setembro, que o entendimento com o PSD não significava, à partida, que o PAN votasse a favor. “Será sempre analisado previamente. O PAN, como qualquer outro partido, terá o direito de fazer a sua própria votação”, disse na ocasião.
No compromisso escrito, os partidos comprometem-se “a acordar previamente” e “votar solidariamente em sede parlamentar” não só orçamentos, como planos anuais e retificativos, e também o programa do governo, moções de confiança e censura, propostas e projetos de decretos legislativos, eleições de órgãos internos e externos da assembleia legislativa e “outras iniciativas parlamentares (…) que possam contender com o espírito e âmbito do acordo e programa de governo”.
O texto do acordo deixa dúvidas sobre a margem e o raio de ação da deputada estreante, nomeadamente quanto à viabilização de propostas feitas pela oposição, já que PSD e PAN devem garantir que a execução dos princípios e medidas do programa do governo será feita “exclusivamente através da iniciativa legislativa do governo regional, bem como através da apresentação de projetos de decreto legislativo regional (…), projetos de resolução subscritos somente pelos partidos que compuseram a coligação Somos Madeira e o PAN Madeira”.
O ponto mais relevante talvez seja a abrangência do acordo no que toca, por exemplo, à obrigação de “consulta prévia para a concertação da atividade e do agendamento parlamentar, se necessário com reuniões conjuntas”, assim como a “convergência política nos pareceres e nas iniciativas legislativas de âmbito nacional, com vista a defender os interesses da Madeira e do Porto Santo”.
O documento, assinado do lado do PSD por Miguel Albuquerque e, do lado do PAN, por Mónica Freitas, deputada eleita, e pelo advogado Marco Gonçalves, mandatário da campanha, termina salvaguardando que “cada partido preserve a sua atividade e identidade partidária respeitando os termos do acordo”.
Já havia pré-acordo?
O acordo de incidência parlamentar alcançado na Madeira incomodou o parceiro de coligação do PSD, que depressa dele se demarcou pela voz do líder, Nuno Melo. No seio do PAN, oito comissários do partido pertencentes à corrente interna que se opõe à direção de Inês de Sousa Real consideraram que o acordo é “pouco ambicioso” e não apresenta “nenhuma medida estrutural”, concluindo que “o caderno de encargos do PAN está a preço de saldo”.
Nos últimos dias tem crescido a tese de que o aperto de mãos entre PSD e PAN não aconteceu apenas depois dos resultados das eleições, apesar de Mónica Freitas ter garantido que as conversações só começaram após a noite de 24 de setembro. O líder do JPP, Élvio Sousa, tem alegado que o acordo entre os dois partidos começou a ser desenhado “muito antes”, o que considera ser uma “traição à fidelidade à autonomia”. O NOVO questionou o PSD/Madeira sobre o tema, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.
Artigo publicado originalmente na edição do NOVO de 21 de outubro.