A urgência do Centro Hospitalar de Leiria vai ter, em outubro, noites sem especialistas de cardiologia e de cirurgia, uma vez que os médicos recusam ultrapassar as 150 horas de trabalho extraordinário, disse à agência Lusa fonte da FNAM.
A Federação Nacional dos Médicos (FNAM) revelou quarta-feira que clínicos do hospital de Leiria, principalmente das especialidades de cirurgia, cardiologia e pediatria, vão exercer, em outubro, o direito de recusa legal de ultrapassar as 150 horas de trabalho suplementar.
“No serviço de cirurgia, já recebemos as minutas em abril, mas apenas a partir de outubro os médicos vão exercer completamente esse direito. Entre 90 a 95% dos médicos vão exercer o direito de recusa legal das 150 horas de trabalho suplementar. Na pediatria, todos os colegas estão a exercer esse direito e vai haver oito noites sem cardiologia na urgência”, adiantou à Lusa a representante da FNAM e cirurgiã no Hospital de Santo André, em Leiria, Sandra Hilário.
Segundo a médica, também na especialidade de medicina interna “há vários colegas que já entregaram as minutas”.
Sandra Hilário avisou que se esperam “constrangimentos de cirurgia, sobretudo às sextas, sábados e domingos, provavelmente sem escala de cirurgião para a urgência externa”.
“Na cardiologia é preocupante, porque existem vias verdes, nomeadamente a via verde coronária”, alertou, ao constatar que na pediatria tem sido possível realizar escalas, mas sem cumprir “aquilo que a Ordem dos Médicos emanou como recomendação mínima de especialistas na urgência”, reforçou.
A dirigente sindical revelou que os constrangimentos se estendem à urgência de obstetrícia, “que já fechou alguns dias este mês por não terem vagas de internamento, mas também por falta de pessoal”.
A caravana da FNAM pelo país chegou hoje a Leiria, onde estão previstos esclarecimentos sobre o direito de recusa de ultrapassar o limite legal das 150 horas de trabalho suplementar e sobre a dedicação plena.
“Como médicos, temos todo o direito de exercer a nossa profissão de uma forma cabal, atender os utentes, observá-los e tratá-los sem estarmos exaustos ou até em ‘burnout’”, como já sucede com muitos médicos”, afirmou Sandra Hilário.
“Eles [Governo] dizem, como ‘marketing’, que os médicos vão ser aumentados, mas deviam explicar o que vem associado a esse suposto aumento. Os médicos farão na mesma as 40 horas por semana, sendo que parte desse horário, no caso dos colegas que já não fazem serviço de urgência, tem de ser feito depois das 17:00 e têm de dar, pelo menos, um sábado por mês como horário normal do seu tempo”, explicou.
Já os médicos que fazem urgência “serão obrigados a um limite máximo de horas extraordinárias de 250 horas, o que não é de todo correto nem legal”.
“O direito ao descanso compensatório por trabalho noturno, com prejuízo de horário”, que está consagrado, deixa de existir.
“Significa dizer que um médico que trabalha à noite tem direito a ir descansar, porque no dia seguinte não está bem para continuar a observar e a tratar doentes de uma forma digna e correta e com menos probabilidade de erro”, afirmou.
Na dedicação plena, explicou Sandra Hilário, “o médico tem de compensar o horário do descanso”, ou seja, “vai ter de trabalhar ao fim de semana para compensar o trabalho noturno”.
Este novo modelo, segundo a dirigente da FNAM, “obriga a que os médicos trabalhem uma média de 48 horas por semana”.
A caravana irá concentrar-se à porta do hospital de Leiria pelas 13:00 e os médicos desafiam a população a juntar-se para “salvar o SNS”.
“É um apelo que a FNAM faz à comunidade, para se aliar aos médicos e chamar a atenção de que o SNS está doente e precisa muito de ajuda”.
Sandra Hilário sublinhou ainda que a “população é o maior foco da FNAM e dos médicos”.
“Queremos sentir-nos descansados e capazes de observar e tratar bem os nossos doentes. Portanto, não podemos estar de todo exaustos”, reforçou.