Maioria dos submetidos a práticas de conversão dizem que foram forçados

Mais de 90 pessoas LGBTQIA+ foram submetidas a “práticas de conversão sexual”, em Portugal, em contexto religioso, médico ou psicoterapêutico, segundo um estudo do ISPA.

O primeiro estudo realizado em Portugal sobre as “práticas de conversão sexual” de pessoas LGBTQIA+ – que ainda são legais no país – conclui que a maioria (52%) sentiu-se forçada ao procedimento e 62% afirmam ter sido conduzidas por outra pessoa ao “violento, ineficaz e antiético” processo.

Já foi aprovada, na generalidade, em abril, legislação que criminaliza estas práticas, que visam transformar pessoas gays, lésbicas ou bissexuais em heterossexuais, e pessoas trans ou de género diversas em cisgénero (que se identifica com o sexo com que nasce), mais ainda estão em análise na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

“As práticas de conversão são uma prática de violência contra as pessoas LGBTQIA+. Primeiro, são ineficazes, partindo de uma ideia errada e patológica. Segundo, são antiéticas”, frisou ao NOVO o investigador do estudo Pedro Alexandre Costa, do ISPA – Instituto Universitário, afirmando que “é necessária a continuidade da discussão pública”.

Das 424 pessoas que participaram no estudo “Saúde Mental, Experiências de Terapia e Aspirações de Vida de Pessoas LGBT+”, entre março de 2021 e maio deste ano, através de um questionário online, mais de 90 (22%) revelaram que foram sujeitas a práticas de conversão em contexto religioso, médico ou psicoterapêutico. A idade mínima de início foi de 12 anos, com a maioria entre os 14 e os 19 anos. Já a duração média do processo foi de dois anos, com um mínimo de algumas sessões e um máximo de seis anos.

O estudo “Saúde Mental, Experiências de Terapia e Aspirações de Vida de Pessoas LGBT+” desvenda ainda quais as principais estratégias utilizadas por parte dos agentes promotores das práticas de conversão – entre elas, “expressar que a orientação sexual/identidade de género é uma doença”; “amplificar comportamentos heteronormativos”; “romper amizades/relações com pessoas LGBT+”; “sugerir leituras que condenam pessoas LGBT+ e/ou defendem as práticas de conversão”; “criar relações com pessoas heterossexuais cisgénero”; “isolar do contexto habitual”; e “forçar a rezar e a cumprir penitências”.

Para Pedro Alexandre Costa, tais práticas persistem, além da lacuna na legislação, pela falta de literacia no contexto religioso e profissional, assim como em parte da sociedade. “Ninguém coloca a questão de mudar a orientação sexual das pessoas heterossexuais ou a identidade de género das cisgénero”, disse.

Nesse sentido, o investigador explicou ao NOVO que as evidências desta investigação “vão essencialmente ao encontro de informar os políticos e os decisores políticos para desenvolverem leis eficazes”, considerando que ainda há caminho a fazer na edição.

Já quanto aos médicos, psiquiatras e psicólogos de um modo geral e, essencialmente, àqueles que fazem uso do seu cargo para promover estas práticas atentatórias, Pedro Alexandre Costa considera que “falta formação específica” para trabalhar com pessoas LGBTQIA+. “Práticas inadequadas, mesmo que não intencionais, têm um efeito danoso”, apontou o investigador.

Efeitos danosos que, segundo conclui ainda este estudo pioneiro, fazem das pessoas sujeitas a “práticas de conversão sexual” as que apresentam piores indicadores de sofrimento global em termos de bem-estar psicológico, queixas físicas e somáticas, funcionamento social, relações interpessoais e risco próprio.

Entre as evidências recolhidas, o investigador Pedro Alexandre Costa destaca uma: “Os jovens, que têm maior probabilidade de serem coagidos por pessoas próximas, ficando assim mais vulneráveis, são o principal alvo.”

Artigo originalmente publicado na edição do NOVO de 29 de julho