Guerra de palavras e versões entre Pedro Marques e Miguel Pinto Luz sobre a TAP

Foram dois dias de um verdadeiro combate político. De um lado, o ex-ministro das Infra-Estruturas do governo PS, Pedro Marques; do outro, o ex-secretário de Estado das Infra-Estruturas do governo PSD/CDS, Miguel Pinto Luz, actual vice-presidente social-democrata. No meio: a privatização da TAP em 2015 e a sua recompra no ano seguinte.

O primeiro a dar o “soco” foi Pedro Marques. Esta semana, na Comissão de Economia, o ex-ministro que tutelava a TAP apontou todas as baterias a Pinto Luz, a quem acusou de ter autorizado em 2015, “à pressa” e já com o governo demitido, uma “carta conforto” para a privatização da TAP que seria desastrosa para os interesses do país.

A partir daqui, os ânimos aqueceram algumas horas depois e o vice-presidente do PSD entrou em palco para retaliar. Duas versões contraditórias e uma guerra e troca de farpas ocuparam a agenda mediática e a audição do ministro, desta vez, na quarta-feira, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP. Numa extensa carta e em declarações públicas, Miguel Pinto Luz disparou contra Pedro Marques e tentou derrubar ponto por ponto muitas das acusações. Vejamos.

Pedro Marques garante que, nos 27 dias em que esteve no governo liderado por Passos Coelho, Miguel Pinto autorizou uma “carta conforto” para entregar à banca que “dava 100% de lucros aos privados e 100% dos riscos da privatização ao Estado”. Pinto Luz retalia e diz que Pedro Marques teve a tutela da companhia aérea entre 2015 e 2019, mas “não leu” os documentos referentes à empresa e que aquilo a que chama carta conforto é um “direito potestativo”. Direito que, segundo Pinto Luz, até beneficiava o Estado, uma vez que obrigava os privados a manter a empresa em “situação líquida positiva” e que a recompra seria sempre com a TAP “em melhores condições”. O vice do PSD até escreve que o despacho que assinou, a permitir a Parpública a falar com os bancos, validava que se houvesse prejuízos “o accionista perdia toda a capitalização feita”.

Pedro Marques ouviu estes argumentos, mas não cedeu no ataque. Na CPI voltou a insistir que por causa da “carta conforto” – e nunca deixou de dar este nome ao documento – transformou um direito numa obrigação de compra da TAP mesmo que a empresa estivesse “espatifada”, bastando para tal que o accionista privado não pagasse uma prestação ao banco. Pinto Luz voltou a negar e lançou novo ataque: afinal, segundo o vice-presidente do PSD, a recompra negociada pelo então ministro Pedro Marques e pelo administrador Lacerda Machado em 2017 é que “obrigava a Parpública a injectar 600 milhões de euros” na companhia, mantendo os privados todos os direitos e “continuando a mandar na empresa”.

O único “soco” de Pedro Marques a que Pinto Luz decidiu não dar troco teve a ver com o facto de o ex-ministro dizer que estranhava o então secretário de Estado de Passos Coelho ter dito no Parlamento que desconhecia a carta conforto – ou o direito potestativo, consoante as versões – quando havia um despacho por si assinado. Pinto Luz não só não rebate, como assume ter assinado um documento com a sua colega do Tesouro. Só que não era, e talvez o troco ao ataque esteja aqui, uma carta conforto, mas sim um direito potestativo.

Será tão-só uma questão de semântica? Os deputados tentaram explorar, mas Pedro Marques manteve a sua tese. Se este round específico deu vantagem ao ex-ministro, o do pagamento de 55 milhões a David Neeleman deixou Pinto Luz em vantagem. É que o agora eurodeputado não soube explicar a razão daquele pagamento e Pinto Luz garantiu que a privatização do PSD/CDS e o tal direito potestativo determinavam precisamente que tal não podia acontecer.

Mas Pedro Marques não se ficou e disparou de novo contra Pinto Luz e o governo PSD/CDS, ao dizer que, na transição, não foi dado conhecimento ao governo PS dos contornos do negócio dos fundos Airbus. Pinto Luz não se ficou. Voltou a acusar o ex-ministro de não ler documentos, de ter liderado uma operação sem conhecer relatórios e documentos e até citou notícias de 2015, nas quais se falava da passagem de pastas.

Durante horas e horas de audição – foram duas comissões –, Pedro Marques não se cansou de apontar baterias contra o governo PSD/CDS e, sobretudo, contra Pinto Luz, dando a entender que, assim que tomaram posse, trataram de eliminar a “lesiva” e “desastrosa” carta conforto e renacionalizar, para o Estado voltar a ter o controlo estratégico. Pinto Luz tentou desfazer o argumento. E, aqui, o deputado da Iniciativa Liberal (IL) Bernardo Blanco ajudou, dizendo o mesmo. “A decisão de renacionalização já estava tomada, não teve nada a ver com acordos ou despachos”, atirou o vice do PSD.

O combate durou mais de um dia. E acabou como começou. Cada um na sua: Pedro Marques continua a garantir que a privatização da TAP conduzida nos últimos dias por Pinto Luz foi “lesiva” e o vice do PSD assegura que “a TAP privada foi a melhor TAP de sempre” e que quem levou a empresa ao estado em que está – que conduziu à existência de uma comissão parlamentar – foi o PS. E que Pedro Marques e Lacerda Machado desenharam uma recompra que mantinha “muitos direitos” aos privados e levou o Estado a pagar vários milhões a um accionista privado.