Faro: médico acusado de negligência já tinha sido alvo de duas queixas
Alegada negligência denunciada por uma médica interna assombra hospital de Faro. Ordem dos Médicos criou uma comissão independente que estará em breve no terreno para investigar casos. Um dos cirurgiões visados já tinha outras queixas contra si, mas ao NOVO diz não saber “de nada” e recusa comentar.
A denúncia de alegadas más práticas e negligência no serviço de cirurgia pôs o hospital de Faro no centro das atenções. Em causa estão as acusações feitas por uma médica interna contra dois profissionais: o director de serviço, Martim dos Santos, e o orientador de formação, Pedro Henriques. Este último, sabe o NOVO, já tinha sido alvo de outras duas queixas na Ordem dos Médicos.
Questionado pelo NOVO sobre outras denúncias contra si, o cirurgião, que tem dito que as afirmações da colega “não fazem qualquer sentido”, respondeu apenas “não sei de nada”, recusando fazer qualquer comentário. O NOVO tentou saber junto do Conselho Disciplinar da Ordem dos Médicos mais detalhes sobre as outras duas queixas feitas contra este cirurgião, mas não obteve resposta.
O caso da alegada negligência no serviço de cirurgia do hospital de Faro rebentou no último domingo, quando Diana Pereira expôs a situação nas redes sociais, motivando uma reacção quase imediata de várias entidades. Ao inquérito urgente instaurado pelo próprio Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) juntaram-se as investigações da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) e a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS). A situação levou ainda à constituição, pela Ordem dos Médicos, de uma comissão técnico-científica para avaliar os relatos feitos pela médica interna Diana Pereira.
Na conferência que deu durante a semana, o bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, admitiu que os 11 casos denunciados pela internista – em que três dos pacientes terão morrido e outros ficado com lesões irreversíveis – revelam “indícios de alguma gravidade”, justificando a criação da comissão com a “especificidade” e “complexidade” das situações.
Essa equipa independente deverá começar os trabalhos muito em breve. Dirigentes do Conselho Regional do Sul já estiveram no hospital, na sexta-feira, com o intuito de recolher informações e preparar a investigação.“Vamos ter amanhã de manhã uma reunião com a comissão independente para traçar os objectivos e o âmbito da peritagem e da inquirição”, adianta ao NOVO o bastonário da Ordem dos Médicos. “Não sabemos ainda qual é a dimensão desse trabalho. Sabemos quais são as queixas, mas não sabemos exactamente qual a informação que vai estar à disposição da comissão”, acrescenta.
O responsável, que sucedeu a Miguel Guimarães há um mês, não consegue ainda precisar quanto tempo levará a investigação aos alegados erros médicos. Sabe, isso sim, que “o âmbito vai ser bastante alargado” para se perceber “efectivamente se há condições de segurança” e se “aquilo que foi feito no serviço de cirurgia foi feito de forma correcta ou não”. Nesta altura, sublinha o bastonário, a “prioridade” é precisamente avaliar as queixas feitas por Diana Pereira mas, posteriormente, também será feita “uma avaliação da idoneidade formativa” para determinar se o serviço de cirurgia do hospital “continua a ter condições para formar médicos especialistas”. “Mais para a frente irei pedir ao colégio da especialidade para se deslocar ao serviço para fazer essa análise. Esta queixa reflecte problemas assistenciais e temos de ver se comprometem ou não a qualidade formativa do serviço. Mas isso é noutra fase. A prioridade é, neste momento, avaliar as queixas”, sublinha Carlos Cortes.
Caixa de Pandora
A denúncia feita pela médica interna preencheu os noticiários durante a semana e foi suscitando debate, sobretudo depois de a sua idoneidade clínica ter sido posta em causa, após o director do serviço de cirurgia ter afirmado que Diana Pereira é “doente psicológica”. A jovem tem, porém, recebido apoio de alguns profissionais. Rosina Andrade, anestesista no hospital de Faro, foi uma das vozes a saírem em defesa da internista, confirmando problemas na unidade de saúde. “Conheço muito bem o serviço de cirurgia do hospital de Faro. Conheço-o desde Outubro de 2012. Penso que a Diana só peca por defeito. Quer como anestesista, quer como doente, vi e vivi situações inacreditáveis. Reportei aos órgãos de gestão do hospital diversos casos. Não tive a coragem de assumir a posição da Diana”, escreveu nas redes sociais. A anestesista saúda a interna por ter aberto “uma caixa de Pandora” e termina dizendo: “Se forças de pressão não a fecharem e se as investigações forem sérias, este caso atingirá proporções inimagináveis. Para vergonha de quem sempre soube e nada fez.”
O hospital garante que não teve, anteriormente, conhecimento de nenhum dos casos denunciados pela médica interna, “uma vez que a mesma optou por os participar a entidades externas e só posteriormente informou o conselho de administração”. O NOVO questionou o CHUA sobre se já tinham sido feitas outras queixas relativamente ao serviço de cirurgia, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.