É um erro ter razão cedo demais

Marguerite Yourcenar

(Faço aqui o meu disclaimer: sou do Sporting Clube de Portugal e serei sempre, mesmo quando discordo das opções tomadas. Quando me perguntam qual dos rivais prefiro, costumo responder que tenho menos amigos do Porto e, como tal, chateiam-me menos quando ganham. Dito isto, sou pela verdade desportiva. Não aquela que é constantemente apregoada mas a que, pelas notícias, nos tem estado a escapar há muitos anos. Há demasiados anos.)

Há os que esquecem as maiores lições e há os que recordam a todo o transe cada episódio. Pelo meio, a maior parte de nós vai retendo as memórias que lhe interessam e fazendo desaparecer o que lhe é mais desagradável.

Se, em 2018, as capas foram feitas à custa de um Sporting que estava partido, estranhamente, as das últimas semanas, muitíssimo mais perturbadoras sobre a verdade desportiva, não parecem produzir grande abalo no clube que, desde o início da época, estava feito para ganhar. Há uma espécie de religião à volta do Benfica que o tornou quase imune à justiça e cujos representantes, se demonstra agora – e ainda que não sejam condenados -, agiam com uma total sensação de impunidade. Não me refiro sequer aos concretos casos que agora estão a vir a público, mas a um conjunto concertado de actuações que, não sendo absolutamente novas no futebol, incluindo o português, espantam pela sua continuidade, reiteração e desfaçatez. Num país a sério, teriam sido tomadas medidas. Aqui bastamo-nos com nos darem os diversos episódios da corrupção ao jantar, entre uma garfada e outra, porque a única verdadeira preocupação é o resultado do jogo, ainda que esteja viciado.

Tudo o que temos sabido foi também possível por força de uma justiça não apenas paralisada, mas verdadeiramente dominada por interesses inconfessáveis, desde logo o de poder acompanhar de perto os jogos numa qualquer tribuna. E uma justiça que se verga perante o acesso a bilhetes de futebol e a lugares de garagem é uma mera sucessão de fábulas em que as presas somos todos nós.

Também para isto é preciso ter memória. De um lado, a memória dos princípios que deviam estar subjacentes à prática de um qualquer desporto e que, desde que o futebol se tornou uma máquina de fazer circular milhões, estão cada vez mais em desuso. De outro, e mais relevante, memória sobre o que foi possível ser feito, nas nossas barbas, visando-se falsear resultados.

Independentemente do que venha a provar-se, o que já se sabe é demasiado mau para que os adeptos do Sporting Clube de Portugal não tenham orgulho na circunstância de, mesmo nos seus piores momentos, o seu clube nunca se ter enchafurdado numa luta de lama que pode ter dado taças a alguns, mas sujou-os para sempre. E pese embora os tempos dos valores e da honra estarem cada vez mais longínquos, continua a não valer tudo. Nem no campo nem, principalmente, fora dele.