“Quando eu era jovem, pensava que o dinheiro era a coisa mais importante do mundo. Hoje, tenho a certeza.”
Oscar Wilde
A nossa selecção jogou – e Ronaldo demonstrou, felizmente, ter muito mais vidas do que lhe queriam prognosticar – num Mundial repleto de polémicas que nada têm que ver com o futebol. Entre o drama do tráfico e da total falta de condições dos trabalhadores que tornaram possível a festa e a ausência de reconhecimento dos direitos humanos mais básicos, o que é certo é que o dinheiro falou mais alto, não apenas agora como aquando da decisão de o Catar ser o país mais adequado para o organizar.
Entenda-se: não se trata tanto de boicotar um país, pese embora quem o governa mereça evidente censura. Não se trata igualmente de tentar obstacularizar o desempenho de jogadores que, na medida das suas possibilidades e do que lhes é permitido, vão tentando mostrar o seu desagrado e, exercendo a sua profissão, representam algo maior do que eles próprios. Pelo contrário, trata-se de denunciar a extrema hipocrisia da FIFA que, não contente com a prévia entrega à Rússia, tomou (também…) esta decisão com base em critérios meramente oportunistas e contrários aos princípios que anuncia. Do que se vai sabendo, aqui, o dinheiro comprou tudo, não tendo sequer como últimos destinatários os desportistas ou o povo do país onde os jogos decorrem. Não obstante, o que é certo é que o Mundial está aí, com fiscais a verificarem as braçadeiras dos capitães de equipa, não vão eles lembrar-se de colocar algo com várias cores.
De facto, há poucas ideias melhores para distrair os incautos e se lavar a imagem do que ocorrer um jogo de futebol (quanto mais vários em regime diário…). Enquanto uns homens correm atrás de uma bola, pecados passados cedem perante vitórias no campo e um país – no qual, por exemplo, uma mulher não consegue comprar um cartão de telemóvel sem a autorização do marido – pode passar uma imagem de modernidade que não tem correspondência com a verdade dos factos.
No domínio da alucinação colectiva, nada produz mais efeito do que uma bola a entrar numa baliza. Seja no Catar, refira-se, seja na China, onde cidadãos estão presos no seu próprio local de trabalho, sob o pretexto de um alegado confinamento motivado pela pandemia. Ou até cá, anunciada que foi uma investigação a idênticas redes de escravatura, desta feita no Alentejo. Nada disto, nem sequer o sofrimento do povo da Ucrânia, capta mais atenção do que um desporto que há muito faz correr milhões.
Enquanto agitamos os cachecóis da selecção, vibramos com as vitórias, como sucedeu, e sofremos nas derrotas, o que é certo é que todo um mundo nos passa ao lado. Um mundo onde, pelos vistos, o dinheiro a correr para bolsos abertos é a única regra.
Não podemos viver sem dinheiro, é certo. Podemos, contudo, e ainda que numa pequeniníssima escala, decidir quem privilegiamos com os trocos que nos dão. Optar por instituições limpas e que se pautem pelo cumprimento dos direitos mais básicos é o mínimo que podemos fazer e exigir. De novo: mais não se exige, menos não se pode aceitar.