Mariana Vaz Pinto: “O meu próprio irmão achou que eu tinha sido assediada”

Mariana Vaz Pinto fez história no futebol em Portugal ao tornar-se a primeira mulher delegada num encontro da Liga profissional. Estreou-se no Bessa, como profissional da B-SAD, após um passado no dirigismo do futebol feminino do Sporting. A sobrinha de António Guterres e Catarina Vaz Pinto esteve em foco ao divulgar mensagens relativas ao alegado caso de assédio sexual do ex-treinador do Rio Ave Miguel Afonso. Garante que nada será como antes e que os treinadores terão muito mais cuidado ao falar com as atletas. E estas, espera, vão ter mais coragem.

Foi a primeira mulher a ir para o banco como delegada na Liga de futebol profissional, como team manager da B-SAD. Gostava de saber, no entanto, como entrou no futebol.

Comecei a jogar futebol aos seis anos. O meu irmão ia para o futebol e eu ia sempre com a minha mãe lá deixá-lo. Numa das vezes entrei dentro de campo e nos intervalos dos jogos brincava com a bola, e depois percebi que gostava mesmo de estar ali. O meu irmão não gostava, então entrei eu para o futebol e o meu irmão acabou por sair. Entrei aos seis anos no Estoril Praia, onde joguei com rapazes até aos 12, e eu era a única rapariga. Depois tive de deixar de jogar porque já não dava para serem equipas mistas. Aos 16 anos, o Estoril ligou-me a dizer que tinha feito uma equipa feminina e perguntaram-me se queria voltar. E dos 16 aos 20 joguei e depois fui para o Sporting, para a parte do dirigismo.

Por que razão terminou de forma tão precoce a carreira?

Tive duas roturas de ligamentos, sabia que o meu futuro não ia ser muito promissor devido a essas lesões graves e, com o convite da Raquel Sampaio, pessoa que abriu o futebol feminino no Sporting, percebi que era uma oportunidade única para poder virar a minha vida e continuar no futebol mas, desta vez, do lado de fora.

Mas quem tinha mais jeito para jogar futebol, a Mariana ou o seu irmão?

Eu, claramente. O meu irmão não tem muito jeito e ele próprio assume isso.

Sem as lesões graves, até onde podia ter ido a jogadora Mariana Vaz Pinto?

Acho que podia ter sido jogadora de I divisão. Antes de me lesionar estava para ser chamada à selecção. Quando tinha 12 anos estive na selecção distrital. Era das mais novas, estava com a Dolores Silva, com a Solange Carvalhas, com a Patrícia Morais, que eram muito mais velhas do que eu e jogaram todas comigo na selecção distrital. Por isso, acho que sem lesões era capaz de ter tido um futuro engraçado.

Ainda pensa como podia ter sido o seu percurso como jogadora?

Sim e não, porque gostei tanto de estar no Sporting e desta parte, do lado de fora, que não fiquei assim com tanta pena. Agora tenho uma equipa de futebol amador com amigas. Chama-se Favos de Mel. Jogamos só por brincadeira. Treinamos duas vezes por semana. Fizemos um torneio em que juntámos mais de 80 miúdas que vão trabalhar e depois gostam de se juntar com as amigas e jogar.

Deixou o Sporting em Agosto do ano passado e no mês seguinte foi contratada para team manager da B-SAD. Ficou surpreendida?

Tinha na B-SAD um amigo de infância que me disse que o presidente Rui Pedro Soares queria falar comigo e perguntou-me se eu podia ir ao Jamor. Nesse dia estava no IKEA com a minha mãe e disse: “Estou de chinelos, de T-shirt, acabada de sair da praia, se calhar, hoje não dá muito jeito.” Mas ele disse que não fazia mal e eu fui mesmo assim.

Por que razão deixou o Sporting?

Porque achei que era a altura certa para sair e para ter outro tipo de desafio, para aprender e para um dia, se calhar, voltar e ser melhor.

Que tipo de funções desempenhou no futebol feminino do Sporting?

Fui team manager das sub-19, depois passei a ser secretária técnica de todas as equipas da formação. E depois fui também team manager da equipa B.

O que faz uma team manager além de se sentar no banco e ser delegada aos jogos? Muita gente não sabe.

Faz todo o trabalho invisível para uma equipa poder funcionar. Trata da logística da equipa, dos problemas que os jogadores possam ter, a ligação com outros clubes antes dos jogos para ver se está tudo bem, falar com a Liga, fazer a ligação entre a equipa técnica e os jogadores e a direcção.

Correu bem a experiência no futebol profissional?

Correu muito bem.

Foi bem recebida?

Muito bem recebida.

Li que ficou muito agradada com a sua estreia no Bessa, inclusivamente com o árbitro João Pinheiro…

Eu estava um bocado nervosa. Lembro-me de estarmos na reunião preparatória do jogo e o João Pinheiro deu-me os parabéns, disse que devia haver mais mulheres no futebol e que, no que eu precisasse, estaria lá para me ajudar, e para eu estar tranquila que ia correr tudo bem. Foi supersimpático.

Nunca ouviu das bancadas umas tiradas, por assim dizer, um bocadinho mais machistas?

Não, nunca. Aliás, até me lembro num jogo com o Vizela, que foi o jogo que me marcou mais tirando o do Boavista, no final fui cumprimentar o árbitro e, quando fui ao banco para ir buscar as minhas coisas, estavam os adeptos do Vizela a bater palmas e a gritar o meu nome. Foi um momento bonito.

Foi muito notícia por ter sido a primeira mulher como team manager na Liga portuguesa. Vendo por outro prisma, não é mau para as mulheres serem notícia por causa disso?

Por um lado, sim; por outro, não. Porque, agora, a próxima que vier já não vai ser notícia, já é uma coisa normal. É mau por não ser uma coisa normal. Por isso, a partir de agora, esse assunto já vai ser visto de forma diferente, foi quebrada essa barreira.

O futebol profissional masculino parece ainda colocar essa barreira às mulheres. Temos alguns exemplos, como a directora do Chelsea, Marina Granovskaia, a directora do Bayern, Kathleen Krüger, em Portugal, a directora-executiva da Liga, Helena Pires. Mas há uma disparidade enorme… As mulheres percebem menos de futebol do que os homens?

Eu acho que não. Eu acho que percebo mais de futebol do que muitos homens. Acho que não tem nada a ver com isso, tem a ver com competência, com qualidade, vontade de aprender, a vontade de saber mais e de estar no sítio certo. E também saber ouvir uma crítica. E saber sobre futebol. E acho que há cada vez mais mulheres a aparecer, porque antes achavam que não era possível e o futebol masculino era visto como um mundo de homens, e só os homens é que podiam estar lá. Não se expunham tanto e não sonhavam tanto com isso. Acho que agora é mais possível.

Em Portugal, o futebol feminino tem evoluído bastante e, no momento em que falamos, a selecção portuguesa está a lutar num playoff para estar presente no Mundial. Como tem visto esta evolução? É possível termos um Cristiano Ronaldo no feminino?

Acho que sim. Temos uma jogadora do Benfica, a Francisca Nazareth, que é um fenómeno. Tem só 19 anos e já está nomeada para Golden Girl. Se trabalhar, tiver a cabeça no sítio e quiser mesmo isso, vai ser uma jogadora fora-de-série e pode ser um Cristiano Ronaldo.

É apologista de que devia haver igualdade salarial nos dois géneros ou isso não passa de uma utopia?

Nas selecções, essa igualdade já deveria existir.

Não existe?

Cá em Portugal, não. Nas selecções, não entendo o porquê de haver diferença. Na realidade dos clubes, percebo. Ir a um jogo de rapazes é diferente de ir a um jogo de raparigas. As receitas são diferentes, mas acho que, no futuro, isso vai ser possível.

Consegue dar um prazo em que esse cenário possa ser uma realidade?

Não. Depende muito do que os clubes quiserem fazer do futebol feminino. Este ano fui ver o Barcelona-Real Madrid na Champions e estavam 91 mil pessoas em Camp Nou. Fui ver a final da Champions em Turim, onde também estavam milhares de pessoas. E agora, na final do Europeu de Inglaterra, em Wembley, o estádio estava cheio. Depende do que cada um quer fazer no futebol feminino. O Barcelona está a fazer um trabalho incrível e espectacular em termos de imagem, de marketing. Teve, com o Real Madrid, 91 mil pessoas e, na semana seguinte, teve mais 91 mil pessoas com o Wolfsburgo.

Tem a ver com a aposta dos clubes?

Exactamente.

Esteve no Sporting, por dentro da organização. Consegue explicar porque não fazem os clubes essa aposta?

Não consigo responder. O primeiro passo devia ser começar a colocar as equipas de futebol feminino a jogar nos estádios principais. Isso já era um passo incrivelmente gigante para o futebol feminino cá em Portugal. É preciso mudar o mindset e perceber que isto é o futuro e que todos vão ter futebol feminino. E, se é para ter, mais vale ter uma coisa como deve ser, apostar nisso, e daqui a uns anos já é possível vender uma jogadora por um milhão de euros, por exemplo.

Quando estava no Sporting, apesar de não estar junto da equipa principal, sentia que era diferente jogar em Alcochete e em Alvalade?

Claro que sim. Alvalade é o sonho de qualquer jogadora do Sporting, como para qualquer jogadora do Benfica o sonho é jogar na Luz. E o Sporting joga sempre em Alcochete, mas o Benfica nem sequer tem direito a jogar no Seixal. Acho que isso também é importante para as jogadoras poderem sentir essa mudança.

Nos últimos dias têm sido notícia as acusações de assédio sexual no futebol feminino. Neste momento encontra-se suspenso o treinador do Famalicão Miguel Afonso, devido a denúncias relativas a 2020/21, quando estava no Rio Ave, e também Samuel Costa, director-desportivo do Famalicão. Mas, antes de irmos a essas acusações propriamente ditas, isto é uma coisa nova ou é algo que se sussurra há muito?

Para mim é uma coisa nova em termos de haver factos. Acredito que já tenha acontecido várias vezes, infelizmente, e que não seja um caso único, mas nunca lidei com um caso assim em toda a minha vida.

Mas ouviu zunzuns ao longo dos anos?

Algumas vezes, sim.

Faltou coragem a quem foi vítima nessas alturas para expor a situação e pôr um travão em definitivo?

Se, antes, já tivesse acontecido um caso de assédio e a jogadora tivesse denunciado logo, se calhar, agora não estaríamos aqui. Mas acredito que, a partir de agora, as coisas vão ser diferentes e que as jogadoras já saibam onde podem denunciar ou como fazer e que tenham mais coragem, porque percebem que já não estão sozinhas nesta luta.

A própria selecção teve uma iniciativa a incentivar as possíveis vítimas a denunciarem e, se calhar, só agora muita gente soube que há uma forma, através da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), de fazer essas mesmas denúncias.

Exacto. Eu própria também não sabia.

Não concorda que devia ter havido antes uma maior promoção dos mecanismos de denúncia?

Agora, com este caso, penso que toda a gente já sabe onde denunciar e como fazer. Antes disto, ninguém estava preparado para uma coisa destas acontecer, se calhar, e por isso sinto que este caso serviu de exemplo para toda a gente: federação, clubes. Os treinadores, ao falarem com as jogadoras, se calhar, já vão ter mais cuidado e não vão dizer isto e aquilo porque podem ser mal interpretados, e as próprias jogadoras sentem-se mais defendidas porque sabem onde podem denunciar se se sentirem ameaçadas, assediadas, o que quer que seja.

Na sua experiência como jogadora alguma vez sentiu, por parte de um treinador ou por parte de algum agente do futebol…

[Interrompe.] Não, nada.

E, sobre este caso em concreto, expôs nas redes sociais algumas mensagens dando algum mediatismo a todo este processo. Reflectiu antes de fazer isso?

Fiz o que fiz porque achei que elas mereciam. Achei que tinha de ser um exemplo. Porque uma coisa é falar-se, outra é as pessoas verem com os seus olhos e isso é totalmente diferente do diz-que-disse. A partir do momento em que as pessoas encaram e vêem como é que foi, acho que muda completamente o mindset de toda a gente. Tenho a certeza de que, no futuro, caso existam este tipo de casos, já não vão ser divulgadas mensagens, já não vai haver este alarido todo porque elas já sabem o que fazer, onde fazer, e as próprias pessoas, os próprios treinadores, os dirigentes, já vão ter outro tipo de cuidado e não se exporem desta maneira: não mandar mensagens, não ligar.

Por aquilo que escreveu no Twitter percebi que está muito por dentro deste caso e até revelou que houve uma jogadora que deixou de jogar futebol por causa do que aconteceu. De que forma está envolvida? Conhece alguma jogadora?

Não conheço, não quis saber quem são. Não faço ideia.

Mas como teve acesso àquelas mensagens que revelou e que são, alegadamente, entre uma das jogadoras e o treinador Miguel Afonso?

Recebi de várias pessoas, via WhatsApp. Já estava partilhado por tanta gente que dizia “reencaminhado várias vezes”. E esse foi um dos motivos também pelos quais partilhei, porque percebi que não era uma coisa privada.

Por aquilo que soube e pelas mensagens que divulgou, considera que se trata de um caso muito grave o que se passou? É um caso que configura claramente assédio sexual?

Considero que sim, porque, primeiro, vê-se claramente que a miúda estava a tentar fugir à conversa, a tentar mudar o assunto e a responder para ser simpática, porque é um treinador. Ao olhar para aquelas mensagens penso que, se fosse eu, responderia da mesma forma, porque é uma pessoa que é minha superior, que sei que vou encará-la amanhã no treino. E não sei se houve outro tipo de conversas cara a cara. Só vi aquelas mensagens, vi mais algumas, mas deve haver outras e não sei o que ele pode ter dito. Intimida, uma pessoa fica com medo porque sente-se, entre aspas, obrigada a responder e a ser bem-educada. Para mim, aquilo é gravíssimo. O treinador nem se deve sujeitar a tal coisa. Um treinador é um treinador, não tem de falar com as jogadoras sobre outro tipo de assuntos.

Deve ter um relacionamento estritamente profissional?

Não é preciso ser só um relacionamento profissional. Há treinadores que são amigos das jogadoras e está tudo OK. É preciso é ter cuidado com o trato, cuidado como se dizem as coisas e cuidado como as coisas podem ser interpretadas. Vê-se que a miúda está a tentar fugir à conversa, ele continua a insistir e continua a tentar manter a conversa… Está tudo errado.

Este caso reporta-se ao que se passou na época 2020/21. Por que razão só agora foi tornado público?

Na minha opinião, foi porque alguém descobriu e denunciou. E a partir daí foi uma bola de neve.

A pessoa que denunciou… não estamos a falar de nenhuma jogadora?

Exacto.

Sabe quem foi?

[Não responde.]

O Famalicão, quando contrata o treinador Miguel Afonso, tinha conhecimento destas situações?

O Famalicão sabia.

Se o Famalicão sabia, porque contratou o treinador?

Pois, a pergunta é mesmo essa, não percebo. E se o Famalicão, a partir do momento em que soube, não tivesse contratado ou tivesse despedido o treinador, isto não tinha chegado aqui. E por isso acho que muita da culpa do que aconteceu é do Famalicão, porque deixou que isto chegasse a este ponto. Se tivesse pensado “este treinador tem este historial, não vamos metê-lo com as nossas atletas, não vamos metê-lo no nosso clube”, a partir daí estava tudo OK… entre aspas.

Esta situação é algo de que já se falava nas últimas duas épocas nos bastidores e nos corredores do futebol feminino?

Certo, mas eu só soube há pouco tempo. Acredito, por exemplo, que se a FPF soubesse há mais tempo, já tinha entrado em acção, feito investigação e levado o caso até às últimas consequências. Acredito que não fizesse a mínima ideia.

Que tipo de feedback recebeu por ter exposto aquelas mensagens?

Os comentários no Twitter, não li nem metade, e também não me ia meter em discussões. Mas as mensagens particulares que recebi foram muito boas. Houve um rapaz que me disse: “Olha, ele também se meteu com a minha namorada.” E mandou-me um print de uma conversa. As mensagens foram todas muito positivas, a agradecer pela coragem de ter denunciado e de ter divulgado. Não recebi qualquer mensagem negativa.

A título particular, as pessoas apoiaram-na pela decisão de denunciar?

Sim, sim. A minha família deu-me os parabéns, até porque me tinha metido numa coisa que não era um problema meu e tinha dado a cara por isso. Tinha de ser feito. Houve pessoas que acharam que tinha sido eu assediada porque houve um título num jornal desportivo que causou alguma dúvida. O meu próprio irmão achou que eu tinha sido assediada.

Sente-se feliz pelo que fez?

Sim, sim. Ao princípio estava com um bocado de medo do que isto poderia dar, porque era tudo um bocado obscuro. Mas depois, no fim, com o feedback todo que recebi, acho que fiz o que tinha de ser feito, estou de consciência tranquila. Estas miúdas tiraram um peso de cima e muitas outras se juntaram, de outros clubes, com mensagens que ninguém sabia que existiam. E a própria Tita, que jogou no Benfica, também veio denunciar um caso de assédio. Acho que isto foi uma porta aberta para quem tiver sido assediado poder finalmente denunciar e tirar esse peso de cima.

Como usufruiu de algum mediatismo pela sua chegada ao futebol profissional, pensa que esse mesmo mediatismo ajudou a que este tema fosse mais falado e discutido?

Eu quero acreditar que sim. E para o bem. Para as miúdas perceberem que há alguém que as defenda e que as quer ajudar. Eu própria não faço ideia quem seja a miúda da mensagem que divulguei.

Conhece o treinador Miguel Afonso?

Não. Nem sabia que ele existia.

Teme que ao longo dos anos se tenham abafado muitos casos em Portugal?

Infelizmente, acho que sim, mas sei que, a partir de agora, os casos vão ser tratados de outra forma. Já toda a gente sabe que a FPF tem aquela plataforma onde se pode denunciar sob anonimato – ou não. Têm os meios certos para poderem denunciar. Espero que não surjam muitos mais casos mas, se existirem, que se acabe logo com isso, que não se alimente.

Que mensagem gostava de deixar às raparigas e mulheres que foram vítimas de assédio e ainda não denunciaram, por medo ou falta de coragem, ou àquelas que passaram por isso e possam ter dúvidas se querem denunciar ou não?

Não ter medo e não ter receio, falar com as pessoas certas, falar com o pai, com a mãe, com uma amiga, falar com alguém de confiança e expor. Porque o mais difícil disto tudo é o círculo vicioso: ele fez a esta jogadora, esta jogadora não denunciou, ele vai fazer a esta jogadora, esta jogadora não denuncia, ele vai fazer a outra e, depois, isto é uma bola de neve sem fim e ele faz a 20 jogadoras, enquanto poderia ter só feito a uma, essa denunciava e aquilo acabava ali.

Teme que este caso possa afastar jovens do futebol feminino?

Espero que não, porque acho que isto é um problema transversal a toda a sociedade. Isto pode acontecer num escritório de advogados, num canal de televisão. Acho que isto pode acontecer em qualquer sítio. Portanto, se isso acontecer, é denunciar, não vou deixar de ser jogadora. Mas então e agora também não vou sair de casa? Não vou trabalhar? Isto pode acontecer em qualquer espaço, espero que não seja motivo para que as jogadoras se afastem do futebol feminino.

O seu passado foi ligado ao futebol, principalmente ao feminino. E o futuro?

Quero continuar ligada ao futebol. Gosto muito do futebol feminino, mas não quero fechar portas a nada. Tanto no futebol feminino como no futebol masculino, sinto-me confortável para continuar a minha vida.

Tem 27 anos e é licenciada em Comunicação Empresarial, certo?

Acabei o curso quando estava a trabalhar no Sporting, nessa altura fiz o mestrado em Gestão do Desporto. Trabalhei e estudei ao mesmo tempo e agora estou à procura de um projecto que seja aliciante.

No desporto?

Sim.

Treinadora?

Não. Gostava de continuar no dirigismo do futebol feminino ou masculino, continuar a ser team manager ou algo relacionado com isso, estar junto de uma equipa.

A sua família, Vaz Pinto, é originária de Arouca, e há muita gente que não sabe mas António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, é seu tio por afinidade, por ser casado com Catarina Vaz Pinto, antiga secretária de Estado da Cultura. Como é visto, a nível familiar, o seu percurso no futebol e até o facto de ter feito história por ter sido a primeira mulher delegada a um jogo da Liga portuguesa?

Eles apoiam-me muito, dão-me muita força, e o meu próprio tio é muito a favor das mulheres e dos direitos das mulheres. Ele não liga muito a futebol mas, das últimas vezes que falámos, ele ficou chocado por as equipas principais de futebol feminino não jogarem nos estádios principais. Achava que isso era uma coisa normal e estava incrédulo por não acontecer. Ele não consegue perceber o porquê, porque é apologista da igualdade.

Como tem visto a actuação do seu tio como secretário-geral da ONU neste período complicado que vivemos, em especial devido à guerra na Ucrânia?

Ele é meu tio, a minha opinião vai ser sempre boa.