A nova guerra das estrelas
Nunca houve milionários com dinheiro suficiente para entrarem em órbita, mas os tempos mudam. Richard Branson quer ser o primeiro magnata no espaço, já esta semana, para se antecipar a Jeff Bezos. O dono da Amazone o da SpaceX, Elon Musk, estão a criar tecnologias privadas que vão permitir regressar à Lua e, depois, conquistar Marte.
Se tudo correr como planeado, o milionário britânico Richard Branson estará este domingo a uma altitude de 90 quilómetros, a bordo do avião-foguete da sua companhia Virgin Galactic. A viagem será sobretudo um evento publicitário, mas não é isenta de riscos. Branson quer ser o primeiro multimilionário no espaço, batendo o rival Jeff Bezos, considerado o homem mais rico do mundo. O voo suborbital da Virgin Galactic permitirá sentir a ausência de gravidade durante minutos e os passageiros verão em toda a sua glória a curvatura do planeta Terra. A companhia de Branson tem fins turísticos e uma fila de 600 clientes que já pagaram a soma de 230 mil euros pela oportunidade de viajar até às fronteiras da atmosfera terrestre.
Bezos, dono da Amazon, também quer arriscar a vida numa aventura que poucos podem dar-se ao luxo de ter. O bilionário deve partir dia 20 a bordo da sua própria máquina, o New Shepard (Novo Pastor), com a capacidade de subir até aos 100 quilómetros. Trata-se de um sistema que inclui um foguetão reutilizável e uma cápsula. O nome evoca o astronauta americano Alan Shepard (1923-98), que perdeu por três semanas a honra de ser o primeiro homem no espaço; os soviéticos venceram essa corrida, com o voo orbital de Iuri Gagarin, a 12 de Abril de 1961. A nave americana só foi lançada a 5 de Maio e não conseguiu entrar em órbita.
A corrida espacial dos milionários lembra a que aconteceu há 60 anos entre as duas superpotências, os Estados Unidos e a União Soviética. Os americanos acabariam por triunfar na linha da meta, enviando tripulações à Lua e trazendo-as de volta. Alan Shepard foi um dos 12 homens que fizeram essa extraordinária viagem, no seu caso, a bordo da Apolo 14.
A companhia privada de Bezos para o espaço, Blue Origin, está na vanguarda da nova corrida, cuja primeira etapa visa alcançar a Lua e, a segunda, Marte. O seu verdadeiro rival não é Branson, mas a empresa de Elon Musk, SpaceX, na luta pelo acesso a contratos da agência espacial NASA. Os privados podem construir sistemas mais baratos, de forma rápida, explorando as aplicações comerciais. A Blue Origin está a construir um potente foguetão reutilizável, o New Glenn (nome inspirado no primeiro americano a concluir um voo orbital, John Glenn). A SpaceX mantém-se um ou dois anos à frente, com o módulo lunar, a cápsula automática e o grande foguetão reutilizável Starship, que parece saído de um filme de ficção científica. Apesar de tudo, ser bilionário não chega e os contribuintes terão de pagar parte da factura. O modelo capitalista, neste caso, está altamente regulado.
Artemisa
Antes da conquista do planeta Marte será preciso ainda fazer uma paragem no apeadeiro da Lua. Desde 1972 que nenhum ser humano viajou até ao satélite da Terra, só sondas automáticas. A chegada à Lua em 1969 e o programa Apolo são difíceis de repetir. Sem incentivo político, o programa espacial entrou numa longa sonolência e, segundo os seus críticos, a NASA tornou-se ineficiente e burocrática. Para “tornar a América grandiosa de novo”, o Presidente Donald Trump assinou, em Dezembro de 2017, uma directiva que mudou a estratégia da NASA, impondo, a seu tempo, a conquista de Marte. O documento também alargou o papel dos privados.
O próximo programa chama-se Artemisa, da deusa grega que dominava a Lua, irmã gémea de Apolo. Como a referência mitológica é feminina, o objectivo é pôr uma mulher a pisar solo lunar já em 2024, mas só em Maio houve a certeza de que o Presidente Joe Biden tenciona apoiar estas ambições. O Congresso aprovou 24,8 mil milhões de dólares para a NASA gastar em 2022, dos quais quase 7 mil milhões nas diferentes componentes do programa Artemisa.
O momento crucial será a missão deste ano, que incluiu o envio de uma cápsula Orion, lançada pelo maior foguetão jamais construído (SLS), para uma viagem de três semanas em órbita lunar, seguindo-se o regresso à Terra. Ninguém sabe se o SLS funciona, e a bordo da Orion, em modo automático, estará um manequim, o comandante Moonikin Campos (trocadilho com Lua e manequim), baptizado em votação popular. A segunda missão será em 2023, com humanos a bordo, e a Artemisa III irá rumo à Lua em 2024, com alunagem. Para concluir o mosaico falta ainda o módulo lunar, a cargo da SpaceX de Elon Musk, mas pode haver um segundo modelo para o dono da Amazon.
Os astronautas tentarão encontrar maneira de produzir oxigénio na Lua (e água, a partir do gelo que se mantém nas partes sombrias de crateras). O oxigénio servirá para suporte de vida e para combustível das missões a Marte, na década de 30: a gravidade lunar é baixa e será mais fácil levar esta matéria-prima para a estação em órbita lunar, onde as naves marcianas serão montadas. Essa estação terá o sugestivo nome de Gateway, uma popular referência da literatura de ficção científica. Há abundância de oxigénio na crosta da Lua, mas a dificuldade estará na sua extracção, a exigir uma base lunar permanente.
As potências
Nestes planos não entram apenas empresas privadas: há europeus, russos, canadianos, japoneses, entre outros, com lugar a bordo em vários projectos, incluindo a dispendiosa Estação Espacial Internacional (ISS na sigla inglesa), onde foram estudadas muitas das técnicas que vão permitir a uma tripulação humana suportar a longa viagem até Marte.
Nesta colaboração internacional há uma excepção, a China, que corre em pista própria. Pequim tem capacidade para colocar seres humanos em órbita e enviou sondas para Lua e Marte. Afastados da ISS por um veto americano de 2011, os chineses decidiram criar a sua estação, Tiangong, que está há um mês em órbita, com três tripulantes a bordo, dois dos quais efectuaram no domingo um passeio no exterior para instalar vários equipamentos.
O veto americano foi justificado pelo controlo militar do programa espacial chinês, mas pode tornar-se um problema para a NASA, pois a ISS tem prazo de validade até 2024 e a Tiangong, sendo cinco vezes menor, pode manter-se até aos anos 30. No que respeita a estações orbitais, a questão deve passar para o sector privado, enquanto do lado chinês está a ser preparado o vaivém e um foguetão mais poderoso, com capacidade para pôr pessoas na Lua. O que mais surpreende é a velocidade de tudo isto: o primeiro voo de um astronauta chinês foi em 2003 e só passaram 18 anos. Entretanto iremos assistir a uma pequena corrida científica, com o envio de dois telescópios para o espaço, um dos Estados Unidos, com colaboração europeia e canadiana, o outro da China.
O telescópio da NASA, James Webb (JWST), tem colaboração da Agência Espacial Europeia, de que Portugal é membro. O JWST será enviado para o espaço em Novembro por um foguetão europeu Ariane 5. Pesa 6,5 toneladas e substituirá o Hubble, que se avariou recentemente. A sua missão é procurar sinais de vida em planetas extra-solares e tentar desvendar os segredos da origem do universo.