Acentua-se a crise na justiça. A Procuradora-geral da República (PGR) “desaconselhou” a participação dos procuradores num debate sobre megaprocessos organizado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, com a chancela do Conselho Superior da Magistratura (CSM). Lucília Gago, em nota enviada ao NOVO, alegou que “o momento não é de todo propício”, não obstante considerar o tema “merecedor de reflexão aprofundada”.
A conferência “Megaprocessos – Quando a Justiça Criminal é especialmente complexa”, realizada nos dias 8 e 9 no Palácio da Justiça, em Lisboa, chegou a estar programada com a presença dos procuradores Rosário Teixeira, Ana Carla Almeida, Inês Bonina, João Aibéo e Paulo Morgado Carvalho. O cartaz foi enviado para todos os órgãos de comunicação social, indicando o Centro de Cultural de Belém como o local do encontro, realçando, assim, a importância e a grandiosidade com que se pretendia realizar o evento. Poucos dias antes da data anunciada, os nomes dos magistrados do Ministério Público (MP) foram retirados do programa.
Questionada pelo NOVO, Lucília Gago esclareceu: “A Procuradoria-Geral da República atribui a maior relevância ao tema, considerando-o merecedor de reflexão aprofundada. Não obstante, entende também que o momento não é de todo propício a que, no contexto do mencionado evento, essa reflexão possa ser feita com rigor e serenidade. Por isso e não assumindo premência tal realização na calendarização prevista, considerou desaconselhada a participação de magistrados do Ministério Público.”
Perante este contratempo, Artur Cordeiro, o presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, decidiu mudar o evento para o Palácio da Justiça, percebendo que sem procuradores uma reflexão sobre megaprocessos perderia o impacto. Tal como referiu o vice-presidente do CSM, Luís Azevedo Mendes, logo na abertura dos trabalhos, no dia 8, quem “alimenta” os megaprocessos sãos os órgãos de polícia criminal (OPC) e também o procuradores enquanto titulares dos inquéritos.
Aquele debate seria uma oportunidade para confrontar o MP sobre a possibilidade de se evitarem os casos complexos, repartindo-os por vários processos, porque, na realidade, todos eles desembocam num tribunal de julgamento, obrigando os juízes a lidarem com milhares de páginas, centenas de apensos, e terabytes de informação.
Aquela reflexão justificava-se também pela novidade anunciada pelo CSM, sobre o julgamento do caso BES/GES, com início previsto para maio, sendo já considerado o maior megaprocesso da história da justiça em Portugal: pela primeira os juízes vão ter o apoio, a tempo inteiro, de uma equipa de backoffice, instalada no CSM, composta por magistrados, oficiais de justiça e informáticos, recebendo, ao momento, todas as informações solicitadas. Tal como noticiou o NOVO em primeira mão, trata-se da estrutura ALTEC – Apoio Logístico à Tramitação de Elevada Complexidade.
Aquela conferência era, assim, um marco histórico na justiça portuguesa, mas os procuradores tiveram de se manter à margem, acentuando a já “velha crise da justiça” que gravita em torno sempre dos mesmos problemas. Conceição Gomes, do Observatório Permanente da Justiça, lembrou, durante a conferência, um estudo sobre três megaprocesso que realizou há 20 anos, concluindo que os constrangimentos assinalados no estudo de 140 processos agora apresentado no Palácio da Justiça “são exatamente os mesmos”.
“O problema da justiça não são os meios. O problema ´é mesmo de governação”, disse naquela conferência o advogado Paulo Saragoça da Matta.
A justiça permanece não só um problema de governação, como também de “birras”, como a que evidenciou agora a PGR, que entrou na reta final do mandato. João Massano, presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados considerou incompreensível e uma “espécie de censura” a decisão da PGR de impedir a participação de procuradores naquela conferência. Artur Cordeiro, disse que se tratou de uma “ausência notada“ e salientou que, mais do que em meios técnicos, a justiça, “precisa de investir nas pessoas “.