Eu Voto: “Esta geração teve a sorte de nascer em liberdade, não sabe o que é não poder votar”

Com o slogan “Vais deixar que escolham por ti?”, a página de Instagram do Eu Voto surgiu em 2020 para disseminar informação fidedigna, isenta e de fácil compreensão sobre política, tendo em vista promover o voto consciente e informado. 

O fundador da iniciativa, Vasco Galhardo, refere ao NOVO que a plataforma é apartidária e procura contrariar as altas taxas de abstenção que se têm verificado no país. Nas últimas legislativas, a taxa de abstenção ascendeu a quase metade dos eleitores, 48,6%, uma tendência que se vem agravando a cada eleição, havendo sempre mais de quatro em cada dez portugueses a escolherem não ir às urnas. Nas últimas presidenciais foram 60%, mas o recorde de baixa participação é ainda das europeias: em 2019, menos de um terço pôs a cruzinha no boletim para escolher os representantes de Portugal no Parlamento Europeu (a abstenção foi de 68,6%).

A duas semanas das legislativas e a três meses das próximas europeias, pelo menos o interesse dos jovens parece estar a crescer e isso pode melhorar a participação. “A nossa geração teve a sorte de nascer já em liberdade e nós não sabemos realmente o que é não poder votar. Há 50 anos, nem toda a gente podia, mas nós damos isso por garantido e não temos noção do privilégio que temos”, diz ao NOVO Vasco Galhardo. Por isso, acredita que “estas eleições vão ser muito disputadas e a abstenção vai baixar”. E é para isso que trabalha. 

Em 2020, o Eu Voto ganhou um concurso público promovido pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) para projetos dedicados à literacia política, o que ajudou a ganhar tração. Atualmente, o perfil de Instagram do Eu Voto junta 35,6 mil seguidores, apostando numa linguagem direcionada para os mais jovens. Mas, se 85% dos seguidores estão na faixa etária dos 18 aos 34 anos, Galhardo realça que esta “é uma página aberta a todos e qualquer pessoa pode consumir os conteúdos”.

O fundador do projeto defende que talvez não fosse errado debater temas como a obrigatoriedade do voto e o direito ao voto a partir dos 16 anos, levando as escolas a ser puxadas para este papel de fazer uma espécie de introdução à política junto dos seus alunos. “Há muitos temas de que se pode falar sobre política sem entrar realmente em ideologias partidárias. O importante aqui é mesmo poder conversar com os alunos para eles ganharem essa consciência política e uma consciência crítica. Eu também sinto que o Eu Voto tem ajudado nisso.”

Galhardo admite que vários dos seus amigos só começaram a interessar-se pelo tema ao entrarem na “vida adulta” e serem confrontados com desafios como pagar impostos ou o dilema de como sair da casa dos pais. “Se, até então, não tinham ainda percebido que a política é tudo na nossa vida, acho que a partir desse momento começam a ganhar uma ideia sobre o que é a política e de que forma impacta a nossa vida.”

O Eu Voto venceu o Prémio Cidadão Europeu 2023 e, já neste ano, recebeu um voto de congratulação da Assembleia Legislativa da Madeira, aprovado por unanimidade, pelo trabalho apartidário feito em prol da literacia política durante as eleições regionais. “Se há coisa em que ando a trabalhar desde o início é mesmo para que todos os partidos percebam que o Eu Voto está a servir igualmente a todos, a beneficiar todos, e não prejudica nenhum deles. Por isso fiquei muito feliz com essa distinção, porque realmente foi o reconhecimento desses resultados.”

Neste momento está a dinamizar o podcast Geração V, onde jovens sem filiação partidária se sentarão com representantes de partidos com assento parlamentar e poderão colocar questões acerca das preocupações da sua geração. 

Para 2024, Galhardo tem o objetivo de angariar um maior financiamento, de forma a poder alargar a equipa e expandir os projetos ao máximo. “Gostava muito que o Eu Voto chegasse ao ponto de os políticos perceberem a verdadeira importância que é concederem-nos, por exemplo, uma entrevista para poderem chegar mais facilmente aos jovens.” Foi o que sucedeu com a entrevista do presidente francês, Emmanuel Macron, à Brut, empresa de media francesa virada para os jovens. 

Galhardo gostaria ainda de ver mais presente a cultura do mecenato, que diz não existir muito em Portugal. “Há muitos estudos que dizem que a nossa geração se informa mais pelas redes sociais do que pelos órgãos de comunicação social convencionais.” Nesse sentido, o Eu Voto pretende ser uma porta para um maior interesse e compreensão da política, sem abdicar do consumo efetivo de propostas eleitorais. O fundador lança ainda a questão: “Há uma série de movimentos que acontecem nas redes sociais e depois ganham grande tração. Porque não fazer o mesmo com algo que nos afeta diretamente?”

A Próxima Geração: “Não queremos luta intergeracional, mas integração geracional”

Trata-se de uma academia de formação de futuros políticos e cidadãos ativistas, com um público-alvo fixado entre os 16 e os 30 anos. João Figueirinhas Costa, cofundador do projeto, explica ao NOVO que o objetivo principal da iniciativa é encontrar jovens com interesse e potencial para assumirem uma participação mais ativa na esfera pública, por exemplo, assumindo cargos políticos ou associativos, e dar-lhes a competência e o suporte necessário para vingarem no contexto político. “No fundo, somos uma espécie de acelerador de percursos individuais de pessoas interessadas em fazer política.” 

A academia dura 12 semanas, funciona em formato híbrido e está organizada em três grandes módulos, cada um com diferentes missões para serem cumpridas em grupo ou individualmente. Recebe também convidados externos nas sessões semanais e promove atividades de conexão com os municípios, visto que a ligação com o “terreno” é considerada “uma parte muito importante do percurso de fazer política ou de conhecer a política”. 

As categorias principais do programa, por sua vez, têm a missão de desenvolver o pensamento crítico e ético individual, bem como competências relevantes para tornar a participação política mais ativa e ensinar a desenhar ferramentas formais, como petições, ou a formular políticas públicas. 

Os cursos têm sido promovidos anualmente, desde 2022, mas o objetivo é que se tornem bimestrais – a principal limitação tem sido o financiamento. “Nós pedimos aos participantes uma contribuição de 99 euros”, explica o responsável, chamando-lhe “taxa de compromisso”, uma vez que não paga os custos da edição, mas cria um vínculo mais sério com os jovens. O objetivo, revela o cofundador, é que a academia seja tendencialmente gratuita, de forma que os rendimentos não sejam uma barreira à participação e, nesse sentido, está a haver um esforço grande de angariação de fundos e de financiamento, que passa por parcerias com municípios, empresas e institutos públicos, como a Câmara Municipal de Cascais, a agência Erasmus+, o Instituto Português do Desporto e da Juventude, a Delta ou o Novo Banco. Tem ainda o alto patrocínio da Presidência da República. 

A equipa é composta pelos dez fundadores, que se inspiraram na organização americana Brand New Congress para desenhar e executar o projeto. João realça o facto de alguns deles terem mais de 40 anos: “É engraçado porque é muito nesta lógica de ‘já está mais do que na hora de dar espaço a outra geração’. Não queremos uma luta intergeracional, mas queremos uma integração geracional. E, portanto, é um contributo para que se crie mais espaço para os jovens participarem na política ativa e nos fóruns públicos de forma geral.” 

O cofundador reforça que A Próxima Geração tem cada vez mais candidaturas, o que revela o interesse dos jovens na política. “As ferramentas de participação atuais é que estão distantes ou desadequadas daquilo que são os interesses e o estilo das gerações mais novas”, diz. “Os jovens querem envolver-se. Têm muitas opiniões, muitos interesses. Simplesmente, a forma de participação e os interesses de participação são distintos dos das gerações anteriores, que são os sistemas implementados e ainda em vigor.” João acrescenta que o projeto “não põe em causa o sistema partidário”, mas tem de haver “uma cultura de envolver e dar espaço a atores novos, a pessoas novas, fora desta dinâmica exclusivamente partidária”. 

Até 2028, A Próxima Geração quer chegar a 10 mil jovens e, para tal, está a desenvolver programas com os mesmos princípios e mais alcance, para atingir efeito real na sociedade. A edição de 2024 começa em abril e toda a informação está disponível na plataforma digital.

Os 230: “A geração que cresceu com cravos não quer agora viver encravada”

Tendo em vista encurtar a distância que separa os cidadãos dos seus representantes, Francisco Cordeiro de Araújo iniciou, em 2020, o projeto Os 230, com o objetivo de entrevistar todos os deputados da Assembleia da República. Com as primeiras entrevistas a alcançarem mediatismo, foi possível um alargamento da equipa de voluntários, que ajudou a que agarrassem outros desafios, como o da literacia política e democrática. 

“Criámos primeiro a Democracia 101, com conteúdo digital, e depois, no terreno, a Democracia nas Escolas. Hoje temos uma rede que engloba escolas de várias cidades portuguesas, já alcançou muitos estudantes e conta com vários mentores, todos voluntários”, revela Francisco Cordeiro de Araújo ao NOVO. As sessões abrangem desde crianças a partir dos cinco anos até jovens de 18, no 12.º ano, e pretendem estimular o sentido crítico e participativo. 

O leque de atividades abrange ainda a Sociedade 2:30, onde procuram dar voz a diferentes figuras da sociedade civil. A plataforma concentra-se também em entrevistar eurodeputados portugueses e lançará brevemente um documentário sobre a participação cívica no país, através de uma viagem de 18 dias pelos 18 distritos do Continente. “Há vários projetos, mas o fim é igual: desenvolver a democracia participativa.”

Atualmente, a plataforma Os 230 conta com 50 voluntários e, para Cordeiro de Araújo, esta participação ativa da equipa, sem contrapartidas, demonstra a vontade dos jovens de fazerem mais pela democracia. “Há projetos interessantíssimos que demonstram que os jovens querem saber da sua democracia, querem cuidar dela e, acima de tudo, querem desenvolvê-la. É a frase que digo sempre: é uma geração que, como cresceu com cravos, não quer viver encravada. Ou seja, cresceu num ambiente de liberdade e quer ter, nessa liberdade, oportunidade de se desenvolver, quer um país melhor, uma comunidade melhor. E acho que, apesar de desiludidos, os jovens sabem que depende deles superar essa desilusão”, salienta. “Mesmo no sector social, há projetos de uma dimensão enorme que revelam que eles acreditam ser possível fazer melhor pela comunidade. Isso também é política.” 

O criador do projeto reforça que a ideia é “não só combater a abstenção, mas promover o voto informado – são coisas diferentes”. E afirma que os 50 anos da democracia portuguesa são uma altura de reflexão para a sociedade. “Queremos aproveitar este momento”, vinca. “Não só assinalar o marco que foi o 25 de Abril de 1974, os anos de 75 e de 76, mas, ao mesmo tempo, refletir sobre que país queremos, o que se espera nos próximos 50 anos, o que se espera para o futuro de Portugal.”

Editado por Bruno Pires

Artigo publicado na edição do NOVO de 24 de fevereiro