Zeitgeist. Em alemão, este termo significa o “espírito do tempo” e tem sido utilizado, há décadas, em comunicação e marketing como forma de aproveitar as vagas de sentimentos comuns para incentivar coisas como movimentos sociais e hábitos de consumo. Hoje, assistimos a uma revolução no que diz respeito à leitura e um dos momentos altos são as feiras literárias.

Mas o que pode ser, exatamente, considerado um zeitgeist? De quanto tempo precisamos para poder qualificar um determinado espírito capaz de mover o senso comum? Tudo depende do gatilho e da força do evento para transformá-lo num tópico primário nas conversas.

Nas artes, o entendimento e aproveitamento de zeitgeists foi fundamental para o sucesso de Shakespeare, que seguia a receita de escrever a partir de temas de fundo geradores de comoções populares à época. Otelo foi escrito quando a rainha Isabel I expulsava os mouros de Londres, sob clamor popular; Rei Lear foi baseado num caso jurídico real que dominava as conversas nos pubs britânicos; MacBeth bebeu das entusiasmadas celebrações do monarca Jaime I.

Zeitgeists traduzem-se, portanto, em picos de interesse num determinado assunto. Ganha quem melhor consegue aproveitar essa espécie de vaga emocional ou, ainda melhor, quem conseguir criá-la de maneira estruturada, como faz o mercado editorial, há já vários anos, por meio das já tão tradicionais feiras do livro que pontilham o calendário português.

A edição de 2023 da Feira do Livro de Lisboa, por exemplo, contou com impressionantes 894 mil visitantes nos seus 20 dias. Deste total, 140 mil pessoas (16%) visitou a Feira pela primeira vez. No caso de feiras de livros, inclusive, a sua proliferação, a níveis locais, garante uma impressionante fábrica de zeitgeists que, por sua vez, impulsiona fortemente o hábito de leitura.

Há, afinal, uma dinâmica de causa e efeito envolvida: por serem percebidas sempre como eventos culturais de indiscutível importância social, as feiras literárias naturalmente mobilizam imprensa e redes sociais, gerando notícias e publicações de todos os lados; estas, por sua vez, acumulam-se até despertar o interesse do cidadão, que as visita de mente e peito abertos. Uma vez lá, imerso na miríade de histórias e escritores que povoam os estandes, o cidadão entrega-se, invariavelmente, ao consumo; e, finalmente, o consumo de cada livro transforma-se em semente para o inevitável crescimento do hábito de leitura.

Há, em todo o território português, mais de meia centena de feiras literárias de diversos tamanhos, em diversas cidades. Cada uma delas funciona, com maior ou menor força, como um gerador de zeitgeists, cujo resultado último é o crescimento do hábito de leitura. É uma estratégia que, somada a outras levadas a cabo pelo mercado editorial, tem funcionado.

Em 2023, segundo a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, o mercado editorial cresceu 7% face a 2022, ano que, por sua vez, registou um crescimento de 16%. São números que refletem ainda outro crescimento, o do número total de leitores dentro da população que, em 2023, alcançou a proporção recorde de 62%.

Não se discute que o aumento do hábito de leitura é fundamental para que tenhamos uma sociedade mais consciente e, portanto, mais capaz de determinar um futuro melhor para todos os seus membros. Há, portanto, que aplaudir esse movimento do mercado de criar cada vez mais momentos – e, com eles, zeitgeists – para conduzir-nos a tempos mais sábios, por assim dizer, do que os que vivemos.

Fundador e CEO do Clube de Autores