Em busca dos segredos do universo

Na terça-feira será lançado o novo telescópio espacial, o James Webb, que vai realizar uma viagem alucinante de seis meses até conseguir a primeira imagem. Se tudo correr bem, o aparelho permitirá desvendar alguns dos segredos do universo. Veremos as primeiras galáxias, objectos frios menos conhecidos, talvez a composição da atmosfera de exoplanetas, porventura sinais de vida extraterrestre.

Será o acontecimento científico do ano, porventura da década. Na próxima terça-feira, é enviado para o espaço um telescópio que promete revolucionar a nossa compreensão do universo. Chama-se James Webb Space Telescope (JWST), pesa 6,5 toneladas e, se não houver um terrível desapontamento, a ideia é poder substituir o velhinho telescópio espacial Hubble, que está em órbita desde 1990 e que, para surpresa dos seus criadores, ainda funciona.

O JWST será lançado da base de Kourou, na Guiana Francesa, e terá seis meses para concluir as manobras de desdobramento dos seus espelhos e escudos térmicos, arrefecimento e calibração de instrumentos, até conseguir a primeira imagem. Em Kourou, estão em curso os trabalhos finais antes da contagem decrescente.

O próximo telescópio espacial foi controverso até no baptismo, pois tem o nome de um antigo dirigente da NASA, cujo legado activistas contemporâneos colocaram em causa. Enfim, a máquina não tem estados de alma, visa esclarecer profundos segredos e procurar vida em outros sistemas solares. O frágil telescópio fará uma viagem que não é para corações fracos: precisa de percorrer 1,5 milhões de quilómetros e realizar uma complexa coreografia automática, antes de se instalar numa órbita fixa em relação à Terra.

O James Webb demorou duas décadas a concluir e custou à NASA dez mil milhões de dólares (mais mil milhões às outras agências envolvidas). Rebentou todos os orçamentos iniciais. O seu eventual fracasso seria um enorme embaraço para as agências espaciais americana, europeia e canadiana (NASA, ESA e CSA) que concretizaram o projecto. A participação da ESA, de que Portugal é membro, garante que os cientistas europeus terão 15% do tempo de observação.

Cooperação internacional

O telescópio foi construído nos Estados Unidos, com contributos de milhares de engenheiros e cientistas de 14 países. Os preparativos do lançamento foram meticulosos e culminaram, nas últimas duas semanas, com o trabalho de colocação no topo do foguetão Ariane 5. O próprio aparelho dispõe de combustível, para se poder deslocar durante pelo menos cinco anos, mas a sua longevidade pode prolongar-se além deste período, dependendo da maior ou menor dificuldade da sua colocação em órbita.

O JWST está equipado para captar imagens em infravermelhos e isso implica que os cientistas poderão olhar para objectos mais frios e mal conhecidos, como anãs vermelhas ou ainda para as nuvens de gás onde se formam os sistemas solares. O James Webb tentará vislumbrar as primeiras galáxias após o Big Bang, vendo mais longe do que foi possível até agora. Ninguém sabe ao certo o que será encontrado, mas em teoria o aparelho deverá esclarecer a evolução das galáxias, a formação das estrelas e as propriedades químicas de planetas, que podem ser analisadas com um instrumento a bordo que permite bloquear a luz das respectivas estrelas.

Os astrónomos tencionam observar sistemas solares distantes e o James Webb terá sensibilidade suficiente para detectar a composição das atmosferas de exoplanetas, talvez de vida extraterrestre. Um dos primeiros lugares para onde será apontado o telescópio espacial é o promissor sistema Trappist-1, a 39 anos-luz da Terra, no qual foram já encontrados sete planetas rochosos, três deles na chamada “zona habitável” onde pode existir água líquida.

Se o voo do JWST fracassar (e muita coisa pode correr mal), haverá apesar de tudo alternativas. Estão a ser construídos três telescópios gigantescos na Terra, americanos e europeus, com espelhos acima de 30 metros, que podem rivalizar com o James Webb no final da década. Se o programa espacial cumprir as suas ambições, haverá outro plano: a possibilidade de instalar um grande telescópio na face oculta da Lua (será uma das possibilidades do programa Artemísia).

Filme de terror

A viagem do telescópio não constituirá apenas uma proeza tecnológica, mas um verdadeiro filme de terror. Até ao ponto de estacionamento, o percurso levará um mês. Este local, conhecido como Lagrange 2 (L2) está a uma distância de 1,5 milhões de quilómetros, muito para além da órbita da Lua. O Hubble tinha um defeito e só em 1993, após uma intervenção de astronautas em órbita, foi possível ver o universo em todo o seu esplendor. Ao contrário do que aconteceu com o predecessor, o JWST não pode ser reparado no local distante onde se encontra. Tudo é automático, envolvendo instrumentos delicados, que podem não resistir ao calor ou à vibração.

A necessidade de chegar a L2 tem a ver com o equilíbrio de forças gravitacionais. O telescópio gastará pouco combustível para se manter naquela posição fixa relativamente à Terra, a uma distância constante.

Antes da chegada, haverá dois momentos decisivos: a extensão do escudo térmico e do espelho. O lado frio da máquina estará a uma temperatura de menos 235 graus centígrados; o lado virado para a Terra estará a mais 110 graus centígrados. O desdobramento do espelho também terá de ser perfeito. O telescópio não pode funcionar se houver um erro minúsculo nestas duas fases.

O caderno de encargos obrigará toda a gente a suspender a respiração, mas as ambições espaciais da humanidade não dependem do sucesso ou fracasso do JWST. No início do próximo ano começa a saga do programa Artemísia, três vezes mais caro do que o James Webb e que estará recheado de perigo e promessa. O objectivo é colocar astronautas na Lua e desenvolver as tecnologias que permitirão conquistar Marte.

Provavelmente em Fevereiro (mas pode ser mais tarde) será lançado o maior foguetão jamais construído, o Space Launch Systema (SLS), que vai evoluir em três fases. Com mais de cem metros de altura, esta máquina pode enviar para o espaço cargas de 95 toneladas. A terceira versão do foguetão, um colosso, poderá lançar 130 toneladas.

A primeira missão do programa Artemísia, daqui a dois meses, testará a fiabilidade do SLS e enviará para orbita lunar (com regresso), o módulo Orion, a nave utilizada por astronautas (o primeiro ensaio será não tripulado). Para além destes dois sistemas, Artemísia inclui o projecto de uma estação orbital perto da Lua (Gateway) e o módulo lunar, ainda em desenvolvimento. Só em 2024 serão testados todos os elementos do programa e, em princípio, haverá astronautas a poisar na Lua em 2025, uma estreia desde 1972.

A meta é criar uma presença permanente na Lua e extrair água e combustível que serão usados na complexa viagem a Marte, provavelmente em meados da década de 30. Nessa altura, o James Webb será uma relíquia silenciosa, abandonada no frio do espaço e porventura ainda não esquecida, devido aos muitos segredos do universo que vai ajudar a esclarecer.