Recuemos alguns anos, não precisam de ser mais de cinco ou seis, e avaliemos o que se dizia sobre a situação política do país nessa altura. O PS, tendo aberto a possibilidade de coligações à sua esquerda, poderia governar para sempre, com ou sem maioria absoluta. Sem maioria absoluta, governaria, mesmo não ganhando eleições, com apoio à sua esquerda ou à sua direita. O país era de esquerda, algo dificilmente reversível.

Enquanto o PS segurava o eleitorado mais velho e os funcionários públicos, o Bloco de Esquerda dominava as universidades e as escolas. Juntos, com ou sem o PCP, poderiam governar sempre o país. O Bloco de Esquerda era uma espécie de ponto de entrada para a esquerda. Uns ficavam por ali depois de entrarem no mercado de trabalho e outros moderavam-se e iam para o PS. O domínio cultural, académico, político e, claro, eleitoral da esquerda era inequívoco e estava para durar. O Facebook era o futuro das interações sociais onde tudo, de casamentos a eleições, iria decidir-se.

Poucos anos volvidos, não faltam artigos a falar da crise da esquerda. O bipartidarismo parlamentar foi rompido por um partido de direita radical que captou, inesperadamente, eleitorado jovem, apesar das suas posições conservadoras em assuntos sociais. O populismo, a elasticidade ideológica nas questões económicas e um projeto de comunicação assente em meios de comunicação emergentes permitiu um crescimento rápido – ainda que, como se viu nas europeias, assente em alicerces muito fracos –, porque o problema dos partidos de pessoas e não de ideias é que a natureza humana é frágil e dada a oscilações. Os políticos de direita ganham popularidade com coreografias no TikTok e o Facebook é hoje usado para trocar fotos dos netos e memes que ninguém com menos de 60 anos percebe.

Hoje, as inevitabilidades de quem faz análise política são outras: teremos de viver eternamente em instabilidade com três partidos de média dimensão a lutarem pelo poder, sem que nenhum consiga obtê-lo com uma maioria estável. O crescimento da direita radical, que ninguém previa há poucos anos, hoje é visto como inevitável e perdurará no tempo.

A nível mundial, o “eterno inevitável” é o crescimento dos blocos políticos com menos apreço pela democracia liberal. A democracia liberal e o capitalismo irão, “inevitavelmente”, recuar para um mundo mais protecionista e fechado e menos democrático. A globalização irá recuar e voltaremos a ter milhões de novos operário fabris na Europa prontos para produzir aquilo que até há pouco tempo importávamos.

Todas estas “inevitabilidades” esquecem uma característica fundamental da natureza humana: a eterna insatisfação que a faz querer sempre mudar e a capacidade de inovar. Quem tem sucesso acomoda-se e torna-se displicente. Quem é atirado para as margens agarra-se mais facilmente a tendências emergentes, já que não tem nada a perder. A esquerda, depois de tornar-se dominante nas redações e universidades, acomodou-se, deixando as emergentes redes sociais para a direita. O mesmo irá acontecer “inevitavelmente” à direita. Guardem este texto e estas inevitabilidades. Daqui a cinco, dez anos, cá estaremos para revisitá-lo e discutir as inevitáveis inevitabilidades desse tempo.

Deputado da Iniciativa Liberal