O nosso ordenamento jurídico assegura a todas as crianças, com capacidade de discernimento, uma ampla e extensiva oportunidade de serem ouvidas nos processos judiciais que lhe digam respeito e de exprimirem livremente a sua opinião, de acordo com a sua idade e maturidade (cognitiva, moral, emocional e social).
Por inevitavelmente constituir um momento intenso para a criança, a sua audição deve ser conduzida por profissionais qualificados e em condições adequadas, propiciando que a diligência decorra em ambientes não intimidatórios, informais e reservados que potenciem a espontaneidade e a sinceridade das respostas, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal.
O direito de audição funciona, assim, como pressuposto de um efetivo direito à participação ativa das crianças no âmbito de uma cultura judicial que as afirma como sujeito de direitos, decorrendo essa audição quer da lei nacional e de regulamentos da União Europeia, quer de convenções internacionais vinculativas para o Estado Português.
Por sua vez, o juiz terá, sob pena de reduzir este direito a uma mera formalidade, de refletir sobre a opinião transmitida e valorá-la, tendo como limite e critério orientador a prossecução de outros direitos ou princípios essenciais, entre os quais o do superior interesse da criança, o qual pode não coincidir integralmente com a opinião manifestada.
Levar em consideração a opinião expressa pela criança na decisão de questões que lhe dizem respeito não significa que fique o tribunal vinculado a seguir aquilo que a mesma manifesta querer.
Não podemos ignorar que nem sempre os relatos se apresentam genuínos, livres e esclarecidos: muitas vezes a sua opinião é enviesada ou sugestionada por influência de terceiros, fruto de pressões ou conflitos de lealdade que a criança vive e em que decifra o que um dos pais quer ouvir.
Por isso, os tribunais devem ser cautelosos no peso a atribuir à opinião manifestada.
À criança não compete decidir o seu destino e ouvi-la não equivale a fazer o que ela quer. Se assim fosse, a própria criança seria juiz em causa própria.
Assim, da mesma forma que os pais não devem satisfazer todos os pedidos dos filhos e aceitar todos os seus protestos, o tribunal não está necessariamente vinculado a seguir a opinião e vontade da criança. Antes lhe compete fazer uma ponderação crítica dessa opinião à luz de toda a informação disponível no processo, a fim de indagar o seu superior interesse, o que poderá determinar a imposição de uma decisão mesmo contra a vontade manifestada.